Um grupo formado por quase 30 instituições financeiras em todo o mundo exige que o governo brasileiro freie o crescente desmatamento no País, segundo publicou nesta terça-feira, 23, o jornal britânico Financial Times. Para o grupo, a continuidade da prática criou "uma incerteza generalizada sobre as condições para investir ou fornecer serviços financeiros ao Brasil".

 A carta foi entregue ao governo brasileiro na terça-feira em meio às crescentes as preocupações de que os investidores possam começar a desinvestir da maior economia da América Latina se o governo de Jair Bolsonaro falhar em conter a destruição ambiental.

"Como instituições financeiras, que têm o dever fiduciário de agir no melhor interesse de longo prazo de nossos beneficiários, reconhecemos o papel crucial que as florestas tropicais desempenham no combate às mudanças climáticas, protegendo a biodiversidade e assegurando serviços ecossistêmicos", afirmou a carta, assinada por 29 instituições financeiras que gerenciam mais de US$ 3,7 trilhões em ativos totais. Os signatários incluem o Legal & General Investment Management e a Sumitomo Mitsui Trust Asset Management.

"Considerando o aumento das taxas de desmatamento no Brasil, estamos preocupados com o fato de as empresas expostas a desmatamento potencial em suas operações e cadeias de suprimentos no Brasil enfrentarem uma dificuldade crescente de acessar os mercados internacionais. Também é provável que os títulos soberanos brasileiros sejam considerados de alto risco se o desmatamento continuar", escreveram, conforme reproduziu o jornal.

 O FT salientou que o desmatamento na floresta amazônica aumentou no Brasil desde a eleição de Bolsonaro, apresentado como um ex-capitão do exército de direita, que apoia a abertura das terras protegidas à atividade comercial. Segundo a publicação, nos primeiros quatro meses deste ano, uma área com o dobro do tamanho da cidade de Nova York foi destruída com madeireiros ilegais e garimpeiros aproveitaram a diminuição da fiscalização durante a pandemia de coronavírus para derrubar florestas. A terra é geralmente convertida em pasto para criar gado, continua o diário.

A reportagem enfatizou que o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, também alimentou controvérsia quando foi filmado durante uma polêmica reunião ministerial que foi liberada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) dizendo que o governo deveria tirar proveito do foco da mídia na pandemia da covid-19 para "mudar e simplificar" as regras ambientais.

"Queremos continuar investidos em empresas brasileiras, mas é preciso haver um uma regulação estável e previsível e arcabouço ambiental e políticas que estão alinhados com a sustentabilidade que trarão uma mudança de curso", disse Jan Erik Saugestad, executivo-chefe da Storebrand Asset Management, um grupo norueguês que tem US$ 80 bilhões sob sua gestão. "Eventualmente, se não virmos esse tipo de mudança, o risco de permanecer investido poderá chegar a um ponto em que não permaneceremos investidos", continuou.
Frigoríficos

Um gerente de portfólio de um grupo europeu de gerenciamento de ativos, que assinou a carta, disse: "Não é apenas uma ameaça. Consideraríamos desinvestir. Acreditamos que o Brasil pode enfrentar desafios econômicos estruturais se não ajustar seu curso de ação." Os investidores, continuou o FT, disseram estar particularmente preocupados com a indústria brasileira de frigoríficos, que corre o risco de ser excluída dos mercados internacionais por causa de seu suposto papel no desmatamento. A JBS do Brasil tem sido repetidamente acusada por ambientalistas de comprar vacas de terras desmatadas na Amazônia.

No mês passado, mais de 40 empresas europeias, incluindo a maior rede de supermercados britânica Tesco e a varejista Marks and Spencer, alertaram que iriam boicotar produtos brasileiros se o governo não agir em relação ao desmatamento. "O maior medo é sempre que nossos ativos percam valor. Isso pode ser causado por empresas que perdem o acesso ao mercado, mas também devido a danos à reputação", afirmou o gerente de portfólio europeu.

 O FT lembrou que, no ano passado, o braço de administração de ativos da Nordea suspendeu as compras de títulos do governo brasileiro após incêndios na Amazônia causados por madeireiros e fazendeiros que limpavam terras desmatadas. Gabriella Dorlhiac, diretora executiva da Câmara de Comércio Internacional de São Paulo, disse que essas campanhas têm "um impacto muito real nas empresas daqui". "Não é apenas a perda de contratos. Veja o acordo comercial UE-Mercosul. Há uma ameaça de que algo que levou 20 anos para ser finalizado seja colocado em risco." O acordo comercial UE-Mercosul foi acordado pelos dois blocos no ano passado, mas fez pouco progresso em direção à ratificação.

"O governo brasileiro deve tomar medidas para reverter urgentemente as taxas crescentes de desmatamento", disse Jonathan Toub, gerente de fundos de ações da Aviva Investors. "Em nossas carteiras de ações, tivemos um viés positivo para o Brasil no início do ano. No entanto, erros de política aumentaram nossas preocupações sobre as prioridades do governo. Reduzimos nossa exposição a ativos brasileiros nos últimos meses."

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