Maria Helena Rosa, de 54 anos, é a nova caloura do curso de biologia noturno da Unesp em Bauru. Depois de 4 anos da sua decisão de voltar a estudar, a faxineira conseguiu alcançar o seu maior sonho: uma vaga na universidade pública e se tornar bióloga.
A estudante conta que conferiu a lista de aprovados do vestibular 2021 da universidade, divulgada no dia 27 de maio, durante seu expediente na limpeza do Departamento de Química da universidade. Maria chegou até a mostrar a lista para um professor, porque não acreditava.
“No dia 27 eu abri o celular para verificar a lista com medo e uma sensação triste, pensei: ‘ai, meu Deus. Será que eu vou dar esse orgulho para os meus filhos? Se não foi [desta vez], eu vou tentar de novo.’"
Maria Helena contou que, na hora que percebeu que estava classificada, parou o departamento de química. "Eu disse para o chefe, o seu Antônio, ‘acho que fui classificada’. Ele viu, confirmou e me deu os parabéns. Eu fiquei feliz demais.”
Segundo ela, a conquista simboliza o resultado da sua dedicação aos estudos, em um momento que acreditou ser ideal para que conseguisse focar a sua energia nos livros depois de uma vida inteira dedicada ao cuidado da família, dos dois filhos e ao trabalho.
"É um momento que não tem palavras, confesso que estou perdida, e feliz. Pela minha idade, pelo tempo, porque tudo que está acontecendo agora são coisas que eu deveria ter feito há muito tempo, mas me dediquei à família. Agora, eu consegui esse tempo, meu espaço para coisa mais maravilhosa que é estudar e estou conquistando isso”, diz.
Busca pelo sonho
Foi trabalhando como faxineira para uma empresa terceirizada na Unesp em Bauru que Maria Helena começou a considerar a possibilidade de voltar a estudar. Ela trabalhava no comércio antes de ser contratada pela universidade em 2012.
Os anos foram se passando e ela se inscreveu no PEJA (Projeto Unesp de Educação de Jovens e Adultos) da universidade com o incentivo do cursinho Primeiro de Maio, que fez uma campanha em 2017 para incentivar a equipe que trabalhava na limpeza na universidade a estudar no cursinho.
“Eu só queria estudar, adquirir o saber. Pensei ‘não tô fazendo nada, meus filhos já estão criados’. Então comecei a trabalhar aqui, vi que era público e quis tentar. Eu deixei o tempo passar e fiquei muito parada, porque trabalhava em comércio e falei ‘vou trabalhar na Unesp, lá tem tudo que eu preciso’. Por isso, entrei na Unesp e participava do PEJA”.
Ela recorda o momento em que teve a oportunidade que tanto desejava. "Aproximadamente em 2017 eles fizeram uma campanha perguntando se o pessoal da faxina queria estudar no cursinho e eu me inscrevi. Foi ai que comecei a estudar de novo.”
A rotina de Maria Helena começou a ser muito mais intensa, passando a ficar o dia todo na universidade. Maria trabalhava cmo faxineira das 6h30 até 15h30 e, logo em seguida, fazia o reforço no PEJA das 16h às 17h.
Parava apenas por cerca de uma hora para descansar e estudar. Às 19h ela ia para a aula no cursinho Primeiro de Maio que se estendia até 22h40, quando voltava para sua casa.
“Ficava pra estudar no PEJA e relembrar as coisas que estavam no esquecimento. Eu levava marmita e passava o dia todo na universidade. Depois esperava para ficar no cursinho Primeiro de Maio que ia até 22h40 para que eu conseguisse pegar o ônibus e ir pra casa.”
Em 2018, Maria Helena acabou deixando de estudar no cursinho por um ano depois de esquecer o seu RG justamente no dia do processo seletivo. Sem tempo para ir buscar, não conseguiu fazer sua matrícula, mas voltou ainda mais determinada em 2019.
“Em 2018 eu perdi um ano do Primeiro de Maio, vim para o processo seletivo e acabei esquecendo o RG dentro do carro. Aquele ano eu chorei tanto, porque não consegui estudar. Mas em 2019 eu ingressei de novo e fui de 2019 até agora”, conta Maria Helena.
Aprovação
Além da Unesp, ela prestou o Enem 2019, depois de mais um ano vivendo essa jornada tripla entre trabalho, PEJA e cursinho.
No entanto, não conseguiu a tão sonhada vaga para cursar biologia. A pandemia começou no ano passado e as aulas passaram a ser online. Mesmo com as dificuldades, Maria conta que teve determinação para conquistar a vaga.
“Não dava muito pra eu acompanhar as aulas online, mas eu estudava em casa, me dedicava ao máximo ali com os livros deles [professores] ali no meu saber e graças a Deus eu passei. Os professores foram maravilhosos”.
Além de toda a sua dedicação aos livros e persistência, Maria Helena diz que também pôde contar com a ajuda das cotas sociais, ferramenta essencial para promover inclusão e diversidade nas universidades públicas do país.
“Mesmo não conseguindo assistir todas as aulas, os livros foram meu foco. Além das dicas dos professores e, claro, da cota. A cota me ajudou muito", afirma.
Aulas
O sonho de Maria Helena começa a se realizar no dia 14 de junho, quando ela vai até a universidade para uma apresentação presencial do curso e dos professores.
A reunião vai manter todos os protocolos de prevenção a Covid-19 com distanciamento social, uso de máscaras e higienização das mãos com álcool em gel, segundo ela.
Mas apesar de ser uma recepção muito diferente do que era realizada antes da pandemia, esse momento marca a conquista do sonho de uma vida e personifica em Maria Helena a ideia de que mesmo diante das desigualdades e dificuldades, sonhos podem encontrar espaço para se tornarem reais.
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