O estado de São Paulo encerrou a terça-feira (14) com o registro de 695 mortes causadas pelo coronavírus, metade do número de óbitos previsto pelo governo estadual há uma semana. Especialistas ouvidos pelo G1 apontam que há indícios de que o estado está conseguindo "achatar a curva" de propagação do coronavírus, isto é, retardar o pico de mortes e contaminações pela doença.

O responsável pelo possível achatamento, na visão dos especialistas, é o efeito do isolamento social. Entretanto, a subnotificação dos casos e a fila de exames podem impedir que a curva traduza de forma precisa o avanço da doença no estado.

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Segundo o professor José Fernando Diniz, do Instituto de Física da USP, devido à subnotificação, não é possível saber o tamanho real do gráfico de mortes por coronavírus no estado, mas o formato do gráfico que se forma já mostra um retardamento do pico de contaminações.

Para o médico Munir Ayub, da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), "a curva está de fato achatando", mas ainda existe o risco de chegarmos à previsão de 1,3 mil mortes nos próximos dias, quando os exames que ainda aguardam resultado devem ser solucionados, já que o estado recebeu um lote de 726 mil testes nesta terça-feira.

O governo não informa quantas das mais de 20 mil amostras que estão paradas no Instituto Adolfo Lutz pertencem a pessoas que já morreram.

Diniz, que faz estudos com os dados do estado de São Paulo desde o início da pandemia, afirma que é possível verificar que o número de casos e de mortes no estado está crescendo mais lentamente que no resto do país.

Ele explica que, apesar de haver subnotificação nos dois números, os dados que temos atualmente em SP são suficientes para mostrar que o isolamento social está ajudando a "achatar a curva" de contaminação.

 "Nós não chegamos hoje aos 1,3 mil [mortos por coronavírus em São Paulo] mais por efeito do isolamento social do que pela subnotificação. A subnotificação deveria respeitar uma lei, quando você olha a curva de casos, se em um ponto dela há subnotificação, nos pontos anteriores ou seguintes também deve haver", afirma José Fernando Diniz da USP.

Na última quarta-feira (8) o secretário estadual da Saúde, José Henrique Germann, confirmou que existe subnotificação de casos leves de coronavírus em São Paulo. Os pacientes que não ficam internados nas unidades de saúde não são notificados. A exceção são os pacientes com sintomas leves que fizeram exame laboratorial antes da orientação vigente, para notificar apenas casos internados, e que ainda aguardavam resultado.

"Aqueles pacientes que estão em casa, que não farão exames, acabam gerando uma subnotificação em todo o sistema, algo que ocorreu no mundo inteiro da doença, do Covid-19. Pode passar no médico, faz uma consulta e fica por isso mesmo. Então não tem essa notificação [dos casos leves]", disse Germann em coletiva de imprensa.

Para o infectologista Munir Ayub, da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), também há subnotificação de casos graves e de mortes por coronavírus no estado de São Paulo. Ele alerta para a possibilidade de haver um "falso" pico de óbitos pela doença nos próximos dias, resultado da resolução dos milhares de exames parados na fila do Adolfo Lutz.

"Chegaram muitos testes hoje e a previsão é que até a semana que vem esses casos parados vão ser liberados", afirma Ayub.

"Talvez a gente veja agora um aumento muito rápido do número de pessoas que morreram e que ainda não foram diagnosticados. Podemos ter um pico que na verdade é um diagnóstico atrasado", explica o infectologista Munir Ayub.

O professor Fernando Diniz também acredita que o número oficial de mortes é inferior ao número real. Este último pode ser mais próximo dos 1,3 mil mortos previstos pelo Butantan para esta segunda-feira.

"Vamos supor que eu mando todos meus alunos medirem uma caixa de 10cm, mas um dos alunos tem uma régua que começa em 3cm. Acontece aí um erro sistemático. A subnotificação causa esse tipo de erro", explica Diniz. "Na física, a gente consegue descobrir esse erros, para então corrigir e normalizar os dados. Só que a gente não sabe ainda se a régua se a subnotificação no estado está quebrada em 1cm ou 3cm. A gente não sabe quantos casos existem para cada caso oficial." (G1)