Perto do encerramento de uma campanha de vacinação em massa inédita em todo o país, autoridades e especialistas em saúde de Serrana relatam os primeiros sinais de queda na demanda por atendimentos e na incidência de casos graves entre moradores que contraíram o coronavírus.

A Vigilância Epidemiológica do município informa que esse contexto de mudança, embora ainda não possa ser diretamente associado à imunização promovida pelo projeto do Instituto Butantan, é reforçado pela ausência de pacientes entubados na unidade de Pronto Atendimento (UPA) desde o fim de semana.

Enfermeiro responsável da UPA, Thiago Bueno também vê essa melhora nos números.

"No início da pandemia, estávamos com uma demanda grande de casos que complicavam e evoluíam para um tubo [entubação]. (...) Com o início da vacinação – e agora já estamos na segunda fase da segunda aplicação da vacina –, temos notado que as pessoas que se vacinaram também estão sendo acometidas com Covid, mas com gravidade leve", avalia.

"O paciente que chega aqui, medicamos. Ele se estabiliza com as medicações e é liberado para casa. Ou seja, não evolui para um tubo, não evolui para uma UTI. Nós temos observado a mudança nesse perfil."

Iniciada em 17 de fevereiro, a vacinação em massa em Serrana, que visa avaliar a eficácia da CoronaVac contra a queda na transmissão e na taxa de mortalidade da Covid-19, já atingiu 66% dos voluntários do estudo com as duas doses do imunizante, o que representa um total de 18,5 mil pessoas.

O público-alvo remanescente receberá o reforço da aplicação até domingo (11), e os resultados da pesquisa devem ser divulgados em maio.

Diante das primeiras projeções de queda, o Butantan reforça que ainda é cedo para tirar conclusões. Isso porque, segundo o instituto, a resposta imunológica é esperada somente duas semanas após a aplicação da segunda dose da vacina.

Nesta reportagem, você vai entender detalhes sobre os possíveis efeitos da vacinação em massa em Serrana. Veja, abaixo, os tópicos em destaque:

    Queda nos casos graves
    'Raio-x' da Covid em Serrana
    Casos graves caem, mas pandemia segue em alta
    Saúde no limite
    Efeitos da vacina: O que o Butantan diz
    Projeto S: que respostas o estudo deve trazer

1. Queda nos casos graves

A Vigilância Epidemiológica de Serrana estima que a média diária de pessoas atendidas na UPA, local de triagem e regulação dos moradores do município, caiu 55% em dez dias: de 90 foi para cerca de 40 a média de pacientes com suspeita ou diagnosticados com alguma necessidade médico-hospitalar.

Sem associar aos efeitos da imunização, o órgão também apontou que a proporção de casos graves foi sete vezes menor: antes chegavam a 70%, e hoje representam 10%. Já os casos leves e moderados, que eram 30%, passaram a responder por 90%, segundo Glenda Renata de Moraes, chefe da divisão.

"Chegam muitos casos, mas, desses, a maioria ou quase a totalidade são de leves e moderados que precisam ser internados, mas que foram para internação a princípio de enfermaria", afirma.

Além disso, desde o último fim de semana, nenhum paciente precisou de intubação na UPA. Para quem trabalha na saúde, a rotina ainda é intensa, mas diferente.

    "Está menos conturbada, dá para respirar um pouco, mas a gente continua com todas as ações, realização de exames, os postos continuam com atendimento o dia todo", afirma Glenda.

Enfermeiro responsável da UPA, Thiago Bueno não só vê essa melhora na intubação, como também no encaminhamento de pacientes a outros hospitais: antes eram sete, hoje são quatro que precisam de regulação por dia, segundo ele.

Se ainda não é possível confirmar que a vacinação está fazendo efeito, o enfermeiro acredita ao menos que a baixa pode ter relação com uma maior conscientização da população e um trabalho preventivo mais efetivo que acompanhou o projeto do Butantan.

"Como está em estudo, a gente não tem como afirmar alguma coisa, mas acredito que todas essas ações que estão sendo feitas de uma forma que está melhorando", afirma.

Além da UPA, segundo o prefeito Léo Capitelli (MDB), a rotina nos atendimentos mudou na Santa Casa, onde a média de hospitalizados nos leitos clínicos caiu praticamente pela metade, de 15 para 7, em duas semanas. Retrospecto que indica, de acordo com ele, uma possível melhora também entre os casos moderados do novo coronavírus.

"A gente espera que já seja reflexo da segunda dose e que a gente, nas próximas semanas, possa eliminar 100% de casos graves que necessitam de internação e de UTI", diz.


2. 'Raio-X' da Covid em Serrana

    o número de pessoas atendidas por dia na UPA local caiu de uma média de 90 para cerca de 40 em dez dias;
    a proporção de casos graves caiu de 70% para 10% em dez dias;
    do fim de semana até terça-feira (6), nenhum paciente precisou ser intubado na UPA. Há dez dias, até cinco precisavam ser submetidos por dia a esse procedimento;
    a média de hospitalizados nas enfermarias da Santa Casa, com pacientes moderados da doença, caiu de uma média de 15 para 7 em duas semanas;
    o total de diagnósticos positivos entre os testes realizados diariamente ainda segue na faixa dos 30%.
    o Hospital Estadual de Serrana, que atende 25 cidades além de Serrana, segue com UTIs lotadas;
    os casos positivos da Covid-19 subiram 35% entre fevereiro e março;
    as mortes por Covid-19 saltaram de 2 para 20 entre fevereiro e março.

3. Casos graves caem, mas pandemia segue em alta

Mesmo com a redução dos casos graves, os números da Covid-19 em Serrana ainda seguem em alta, em um cenário impulsionado pela circulação da variante P.1.

De acordo com dados da Prefeitura, a cidade teve em março 663 casos da doença, 35% a mais em relação a fevereiro, com 490. Na comparação com localidades do mesmo porte, o número só não supera Pontal, mas segue maior do que Orlândia e Jardinópolis.

Entre fevereiro e março, Serrana também registrou um número de mortes dez vezes maior, saltando de dois para 20, mas mantém um patamar abaixo de Orlândia e Pontal.

De acordo com a chefe da Vigilância Epidemiológica, o total de diagnósticos positivos da Covid-19 confirmados diariamente ainda está na casa de 30% de todos os testes realizados.

"A gente consegue orientá-los [os pacientes infectados] para evitar a transmissão, sabendo que nós estamos com uma nova variante que se mostra muito mais transmissível do que a anterior", afirma Glenda.

Nesse contexto, Bueno enxerga uma maior incidência de Covid-19 entre pacientes jovens, bem diferente do que acontecia antes.

"No começo da pandemia, a gente tinha uma demanda de pessoas com uma idade um pouco maior, acima dos 60 anos. A gente vem observando que agora tem pessoas de 25, 30 anos já procurando a UPA", relata.

4. Saúde no limite

O contexto da pandemia no município, assim como em outras regiões, se agrava com uma oferta limitada de atendimento nos hospitais.

Na UPA, as equipes contam com uma estrutura de internação com respiradores, não considerada como UTI, que pode ser expandida para mais duas vagas, mas com o remanejamento de equipamentos de outros setores, de acordo com Thiago Bueno.

Sem UTIs, a Santa Casa dispõe de 14 leitos clínicos para casos leves e moderados. Da mesma formao Hospital Estadual de Serrana somente dispõe de 16 UTIs e 24 vagas de enfermaria não só para pacientes de Serrana, mas de outras 25 cidades, incluindo Ribeirão Preto, que tem uma população 15 vezes maior.

    "Como a demanda regional é muito grande, se a gente comparar, por exemplo, o tamanho de Ribeirão Preto com Serrana, a população é muito maior. Então acho que a vacinação em Serrana praticamente não vai ter nenhum impacto no hospital estadual, talvez o que aconteça é reduzir o número de pessoas de Serrana internadas no hospital, mas não na ocupação dos leitos", explica Marcos de Carvalho Borges, diretor do HE.

5. Efeitos da vacina: O que o Butantan diz

Apesar de os números demonstrarem que a pandemia parece perder força em Serrana, o Instituto Butantan sustenta que a eficácia da CoronaVac só deve começar a ser percebida pela população duas semanas após a aplicação da segunda dose.

Gerente médico de ensaios clínicos do centro de pesquisas, Ricardo Palacios explica que a primeira dose, que já chegou a quase 28 mil pessoas do município paulista, ajuda o organismo a criar as primeiras células de defesa contra o novo coronavírus, mas não em quantidade suficiente para frear a atuação dele.

  "A primeira dose serve para apresentar o vírus inativado para o sistema imune. Então essa é uma forma de começar a desenvolver essas células que vão gerar as defesas necessárias para gerar os anticorpos, mas ainda com um número muito reduzido", diz.

O resultado esperado, segundo ele, somente é viabilizado com a segunda dose, aplicada após um período de quatro semanas, porque ela amplia o número das células de defesa do organismo como se ele tivesse sido atacado novamente pela Covid-19.

Como as autoridades de saúde estabelecem um período de duas semanas após a segunda aplicação para a eficácia da CoronaVac, isso significa que quem foi vacinado vai apresentar a resposta imunológica ideal entre o início - para o primeiro grupo vacinado - e o fim de abril - para os moradores da quarta e última etapa, que termina no próximo domingo (11).

"Aí sim, na segunda dose, se faz uma amplificação importante da quantidade de células que vão produzir esses anticorpos e, dessa forma, isso vai se refletir na proteção esperada pela vacina", explica Palacios.

Nesse contexto, ele cita tentativas em outros países de aplicar somente uma dose em pessoas que já haviam se infectado, como se a primeira funcionasse como a segunda aplicação, mas que foram abandonadas por falta de evidências que confirmassem sua eficácia.

"Mesmo nessas circunstâncias que seriam mais favoráveis de ter uma pessoa com Covid anteriormente, não é recomendado você limitar à primeira dose. Tem que tomar as duas doses para poder garantir uma resposta imune muito boa que permita proteger para o caso de uma doença mais grave", enfatiza.

Por esse fato, segundo ele, os cuidados básicos contra a pandemia, como o distanciamento social e o uso de máscara devem continuar a ser adotados, inclusive entre os moradores já vacinados.

"Às vezes algumas pessoas têm uma falsa sensação de segurança por já terem tomado uma dose da vacina e isso não corresponde à realidade. A pessoa ainda está bastante exposta e, portanto, a resposta imune ainda não é suficientemente madura para resistir a uma infecção", afirma Palacios.

O médico do Butantan enfatiza a necessidade de reforço das vacinas entre aqueles que já receberam a primeira dose. Segundo ele, o imunizante, assim como vários outros, foi desenvolvido para ser aplicado duas vezes. "Um esquema incompleto poderia trazer uma proteção aquém do que seria esperado."

6. Projeto S: que respostas o estudo deve trazer

Denominado Projeto S, o estudo realizado pelo Instituto Butantan tem como principais objetivos analisar:

    a eficiência da vacinação na redução de casos de Covid-19 e no controle da epidemia;
    a eficiência na queda na transmissão do vírus de uma pessoa para outra;
    o impacto na redução da carga de doença, por meio da ocupação de leitos hospitalares, número de consultas médicas, por exemplo;
    a adesão da população à vacinação, reações adversas e efeitos indiretos na economia e na circulação de pessoas;
    testar ferramentas de combate a epidemias, como um aplicativos de controle da vacinação, de acompanhamento de reações, de censo geolocalizado em tempo real, entre outros.

Além disso, Ricardo Palacios menciona que a interação da vacina com a variante P.1 passou a fazer parte do escopo da pesquisa.

    "Isso também é um avanço adicional para entender com dados de efetividade como a vacina se comporta em um lugar onde existe transmissão dessa variante. Isso vai nos dar uma informação muito aguardada no mundo", afirma o integrante do Butantan.

Ainda assim, os resultados que devem ser divulgados em maio não necessariamente vão trazer uma resposta única sobre a eficácia da vacina, explica Palacios.

Segundo ele, isso vai depender do perfil das pessoas que estão sendo imunizadas, como idade e locais em que elas vivem - mais ou menos expostos ao vírus.

"O que a gente pode imaginar é que essa resposta não seria necessariamente um sim ou não, mas que vai depender de algumas das condições que acontecem dentro da população", diz.


Da EPTV