Hospital Psiquiátrico fica no Jardim Itapura 1, em Presidente Prudente (Foto: Stephanie Fonseca/G1)
O Hospital Psiquiátrico Allan Kardec, localizado no Jardim Itapura 1, em Presidente Prudente, deixará de funcionar na próxima segunda-feira (26), após 65 anos de existência. Conforme a administração do local, a data marca o encerramento do convênio com o Sistema Único de Saúde (SUS). A unidade atende, atualmente, a cerca de 60 pacientes – no Hospital Dia e no Hospital Especial – e 43 municípios. Os 68 funcionários, de áreas diversas, já receberam aviso-prévio e no dia 27 já não trabalharão mais.
De acordo com o membro da comissão interventora na administração, Jorge Guazzi, a unidade já tem contatado os familiares para que haja a desinternação até sexta-feira (23). “Eles ficarão aqui até o dia 23, porque temos problemas de desencontros”, explicou. Com isso, não podem deixar que ultrapasse o dia 26. “No dia 27, já não teremos mais nenhum funcionário aqui, pois já demos aviso-prévio no dia 5 de dezembro”, disse ao G1.
O motivo, conforme explicou Guazzi ao G1, é que desde 2001 o Ministério da Saúde “quer acabar” com os hospitais psiquiátricos. Com isso, não há mais convênios ou pactuação. “Tanto é que as diárias do hospital não tiveram reajuste desde 2002. Elas estão congeladas em R$ 42,30 por paciente”, afirmou. “É quase que irrisório, nós temos de ter médico 24h, enfermeiro padrão 24h, técnico de enfermagem, auxiliar de enfermagem, nutricionista, terapeutas, psicólogos e assistente sociais. Torna-se inviável”, relatou.
O membro da administração ressaltou ao G1 que, se não fosse a ajuda da sociedade, o encerramento das atividades já teria ocorrido. “A sociedade de Presidente Prudente é uma sociedade que tem de parabenizar.
Não só o Hospital Allan Kardec, todas as entidades filantrópicas passam por dificuldades financeiras e essas dificuldades financeiras são ajudadas pela sociedade, que nunca virou as costas”, afirmou.
Também contribuiu para as dificuldades o lado financeiro. “As dívidas, se você conseguir fazer um Refis e trabalhar direitinho, são administradas.
Agora não são administradas com você recebendo R$ 42 de diária por cada paciente. Isso é humanamente impossível”, disse Guazzi.
Entre as dívidas estavam, inclusive, pagamentos de funcionários. Quando a atual comissão interventora assumiu a unidade, em julho de 2015, o 13º dos trabalhadores referente ao ano de 2014 não havia sido pago. “Recentemente fizemos um evento beneficente, no dia 6 de novembro, que era para eliminar o 13º do hospital.
Alicerce ‘arrebentado’
A unidade trabalhava com uma média de 60 pacientes no Hospital Especial. No Hospital Dia, Guazzi relatou ao G1 que já houve o atendimento de quase 50 pessoas. “A gente via que havia necessidade de dar guarida a esses pacientes”, afirmou.
Segundo o membro da administração, existe uma preocupação sobre como será o destino dos pacientes. “Dá dó você liberar o paciente pra família, porque tem paciente que a família não terá condição. Tem paciente que não tem condições, mesmo, de ficar em casa, porque no momento em que às vezes ele muda o horário do remédio ou não toma o remédio ele vai surtar. Ele surtou, a família não tem condições de segurar. Isso aí terá de ser muito bem controlado”, destacou Guazzi.
Alguns pacientes já receberam alta médica e foram liberados para casa, pois são aqueles que realmente já atingiram a sua cura. “Aqueles que ainda não têm condições de ir para casa a gente vai direcionar ao DRS [Departamento Regional de Saúde] e o DRS que vai direcionar para quem vamos mandar esses pacientes”, explicou ao G1.
Os pacientes do Hospital Dia serão atendidos nos Centros de Atenção Psicossocial (Caps). “A gente já foi autorizado pelo DRS a direcionar direto ao Caps, que é municipal”, disse Guazzi, que ressaltou que será “totalmente diferente”. “Lá, ele terá, às vezes, uma hora por dia e a família terá de levar. Então, precisa ver também se a família terá condições de levá-lo naquele horário. Acho que é um problema do governo transferir de novo para a sociedade. Eles viraram as costas para o problema. Não estão solucionando o problema. Está muito dificultado”, comentou.
“Estão arrebentando o alicerce que é o hospital psiquiátrico e jogando numa coisa que é uma incógnita”, observou Guazzi. “Deveriam primeiro fazer um teste. Se não funcionar, pelo menos, terão o alicerce para voltar. E, agora, o que eles vão fazer? Então, infelizmente, vamos ter muitos dissabores ainda”, enfatizou.
Planos
Guazzi ainda contou ao G1 que pretende colocar um Centro de Idosos no local. “Manteremos contato com as prefeituras e com mais entidades para ver se conseguimos aproveitar o espaço físico do hospital para colocar o Centro de Idosos”, explicou.
Conforme o membro da administração, há um projeto com a Promotoria de Justiça da Saúde. O idoso iria para a unidade na parte da manhã, passaria o dia e voltaria para casa. O espaço contaria com várias atividades e alimentação. O atendimento também mudaria: em vez de receber 43 cidades, atenderia a idosos de um raio de até 50 quilômetros.
Com 2016, teríamos três 13º atrasados para os funcionários. Mas, com o dinheiro que entrou desse evento, a gente conseguiu normalizar o 13º dos funcionários. Eles recebem tudo em dia”, relatou.
Ministério da Saúde
Em nota ao G1, o Ministério da Saúde informou que, por meio do SUS, adota a Política Nacional de Saúde Mental, “referência internacional na assistência às pessoas com transtornos e sofrimentos mentais”.
“A Política de Saúde Mental foi estabelecida pela Lei Federal 10.216/2001, consolidando assim a Reforma Psiquiátrica (Lei 10.216/2001), como estratégia de Estado. As premissas da política, reconhecida pela estratégia de proteção e defesa dos direitos humanos, vêm sendo seguidamente respaldadas nas conferências nacionais e pelos trabalhadores e gestores da saúde pública, usuários e familiares, e pela sociedade em geral. Essa diretriz busca consolidar um modelo humanizado de atenção à saúde, aberto e de base comunitária, promovendo a liberdade, a reinserção social e reabilitação psicossocial a essa população”.
Desde 2001, toda a estratégia de Saúde Mental é desenvolvida no âmbito da Rede de Atenção Psicossocial (Raps), conforme o Ministério da Saúde.
“A estratégia é organizada a partir de sete componentes: Atenção Básica (utilizando as Unidades Básicas de Saúde); Núcleos de Apoio à Saúde da Família; Consultórios na Rua, Apoio aos Serviços do Componente Atenção Residencial de Caráter Transitório e Centros de Convivência e Cultura; Atenção Psicossocial Especializada: Centros de Atenção Psicossocial, nas suas diferentes modalidades; Atenção de Urgência e Emergência; Atenção Residencial de Caráter Transitório, a partir das Unidades de Acolhimento; Atenção Hospitalar, a partir de leitos de saúde mental em hospitais gerais; Estratégias de Desinstitucionalização, através de Serviços Residenciais Terapêuticos, Programa de Volta Para Casa e Programa de Desinstitucionalização; e Estratégias de Reabilitação Psicossocial, por meio de iniciativas de trabalho e geração de renda, empreendimentos solidários e cooperativas sociais”.
Os hospitais psiquiátricos vêm sendo, gradativamente, fechados e substituídos pela Rede de Atenção Psicossocial desde 2001. “Para estimular adesão à Raps, o ministério oferece incentivos financeiros para manutenção e ampliação das redes municipais e estaduais, como construção de Centros de Atenção Psicossocial (Caps), Serviço de Residência Terapêutica (SRTs) e abertura de leitos de saúde mental em hospitais gerais. Entre todos os serviços estratégicos, ações e investimentos em obras da saúde mental (CAPS, UA, leitos, programas de prevenção, cursos de educação permanente para profissionais de saúde) o gasto federal foi de cerca de R$ 1,3 bilhão em 2015. Cabe ressaltar que o financiamento do SUS é tripartite (União, Estados e municípios) e os incentivos federais cobrem apenas parte do custo total dos serviços de saúde”.
Os principais atendimentos realizados nos Caps são a assistência multiprofissional e o cuidado terapêutico, conforme o quadro de saúde. “Nesses locais também há possibilidade de acolhimento noturno e/ou cuidado contínuo em situações de maior complexidade, quando há avaliação da equipe de referência para isto”, informou ao G1, em nota.
Sobre os hospitais psiquiátricos, o Ministério da Saúde informou que ainda não há prazo estipulado para o fechamento dessas unidades, tendo em vista que a Lei 10.216, de 2001 estabelece que esse procedimento deve se dar conforme a pactuação das gestões municipais e estaduais e o planejamento da implantação da Rede de Atenção Psicossocial.
DRS
Ao G1, também por meio de nota, o Departamento Regional de Saúde (DRS) de Presidente Prudente informou que está em tratativas com os municípios da região para que as secretarias de Saúde locais possam suprir a demanda do Hospital Psiquiátrico Allan Kardec. “Vale destacar que nenhum paciente ficará desassistido”, apontou o órgão, que é ligado à Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo.
“A pasta esclarece que, desde 2001, segue as diretrizes implantadas pelo Ministério da Saúde, conforme preconiza a política de saúde mental do SUS. Em razão da Reforma Psiquiátrica, ficou determinado que, a cada alta ou óbito, o leito psiquiátrico fosse desativado. Não somente em São Paulo, mas em todo Brasil, uma vez que o Ministério da Saúde não financia mais internações de pacientes psiquiátricos crônicos”.
O DRS salientou que a política nacional determina que o atendimento psicossocial – incluindo as dependências químicas – esteja ligado à rede básica, por meio do Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (Caps-AD) e das Residências Terapêuticas. “Estas unidades são administradas pelas secretarias municipais de Saúde, que ofertam acompanhamento ambulatorial”.
Seguindo as diretrizes do Ministério da Saúde referentes à desinstitucionalização dos hospitais psiquiátricos, o DRS tem auxiliado e se articulado com diversos municípios e realizado repasses de recursos financeiros para suprir a demanda de pacientes nas abrangências do Estado. “Até o momento, já foram investidos mais de R$ 9 milhões na implantação e auxílio de custeio de novos serviços, como Caps e Residências Terapêuticas, no âmbito do Estado”, afirmou.
Prefeitura
O G1 também solicitou à Prefeitura de Presidente Prudente um posicionamento oficial sobre o assunto. De acordo com as informações do secretário municipal de Comunicação, Marcos Tadeu Cavalcante Pereira, a decisão sobre o fechamento dos hospitais psiquiátricos “é de competência do Estado”.
“Foi uma determinação imposta pelo Estado em fechar os hospitais e manter as residências terapêuticas. Em Presidente Prudente, serão dez casas que irão receber esses pacientes. Isso não é uma responsabilidade do município, mas, sim, um acordo entre o Estado e a União”, afirmou ele ao G1.
Do G1