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A Universidade de Franca e o médico envolvido no polêmico juramento feito durante um trote aos calouros do curso de medicina se recusaram a assinar Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público em que se comprometeriam a pagar indenizações de R$ 10 mil e R$ 20 mil, respectivamente, por danos morais coletivos.

O acordo foi proposto pelo promotor Paulo Correa Borges durante o inquérito que investiga a suspeita de conduta machista, misógina e sexista do grupo que aplicou o trote. Vídeos mostram calouros ajoelhados na rua e afirmando que nunca recusariam “uma tentativa de coito de um veterano ou de uma veterana”.

O médico Matheus Braia, que aparece nas imagens liderando o juramento, disse por meio do advogado que nunca teve a intenção de ofender ninguém e classificou o trote como uma “brincadeira de mau gosto”.

Procurado nesta terça-feira (12), o defensor Carlos Constantino disse que o médico estaria disposto a fazer uma nova retratação pública, a pedido do MP, mas que o advogado discordou do pagamento por danos morais coletivos exigido no TAC. Segundo ele, esse tipo de indenização é considerado difícil de se mensurar, inclusive pelos tribunais de justiça.

"Fazia parte do TAC o pagamento de uma quantia até a nosso ver bastante grande ao fundo dos interesses difusos e coletivos lesados das mulheres. Por esse motivo não foi assinado o TAC. Juridicamente o mais interessante seria fazer uma defesa num momento adequado", afirmou ao G1.

Em nota, a Unifran informou que veda "expressamente" a prática de trotes violentos, dentro ou fora do campus, e apresentou ao MP uma série de ações que já são realizadas e comprovam que a instituição não foi omissa ou negligente, ou faltou com o dever de vigilância, razão pela qual não pode ser penalizada pelo episódio ocorrido.

“Com a recusa da indenização, vai para a via judicial. A Promotoria não vai aceitar fazer TAC parcial, isso já foi deixado claro na audiência”, disse o promotor. “São danos morais coletivos e danos sociais, que correspondem à construção e reforço dessa cultura machista que atinge todas as mulheres no país”, completou.

Polêmica
O trote aos calouros do curso de medicina foi aplicado em 4 de fevereiro. Nas imagens que circulam na internet, as novas alunas aparecem ajoelhadas no meio da rua e repetem a fala de um ex-aluno, que surge como uma espécie de "juramentista".

“Juro zelar por suas reputações, mesmo que eles sejam desprovidos de beleza (...). Juro solenemente nunca recusar a uma tentativa de coito de um veterano ou de uma veterana, mesmo que eles cheirem a ‘cecê’ vencido e elas a perfume barato”, dizem os estudantes.

Em outro áudio divulgado, um grupo de calouros também é incitado por um veterano a fazer o juramento: “(...) e prometo usar, manipular e abusar de todas as dentistas e fazer [inaudível] que tiver oportunidade, sem nunca ligar no dia seguinte”.

Ação Civil
O TAC também propunha à universidade a realização de eventos de conscientização e trotes solidários, além do apoio em evento programado pelo Conselho Municipal da Condição Feminina e a responsabilização dos alunos envolvidos. Já o médico deveria pagar a indenização e fazer uma retratação pública.

"A Unifran recusou assinar o TAC, mas se propôs a fazer todas as atividades que constavam no acordo, sem admitir qualquer culpa, alegando que o episódio em si aconteceu fora do prédio, das instalações da universidade. Contudo, não explicou por que toda a organização foi realizada dentro da universidade", disse o promotor.

Borges está reunindo documentos e ouvindo depoimentos de outras testemunhas para comprovar que a própria abordagem dos calouros ocorreu dentro do campus, apesar de o trote em si ter sido aplicado na rua. As provas serão reunidas em duas ações civis públicas que deves ser propostam até o fim de março.

“O próprio médico confirma que foi convidado por um aluno e toda a organização aconteceu dentro da universidade”, afirmou o promotor. “Requisitei o nome da comissão de trote, dos alunos envolvidos. Já temos comprovado no inquérito que existe uma sistemática anual: a turma que vai para o segundo ano forma a comissão de trote”, completou.

Ainda de acordo com Borges, outros universitários podem ser responsabilizados, caso fique comprovado o envolvimento deles no trote e na criação do texto do juramento, uma vez que o discurso vem sendo reproduzido há anos pelos veteranos do curso de medicina da Unifran.

"Isso tudo fazia parte das atividades organizadas por essa comissão de trote. Esses alunos serão identificados, ouvidos, inclusive para saber até que ponto têm responsabilidade na medida em que o mesmo juramento aconteceu em anos anteriores. Então, todos tinham consciência de que uma parte das programações envolvia esse juramento", disse.

Ações Sociais
Em nota, a Unifran informou que apresentou ao MP uma série de ações já realizadas que comprovam que a instituição não foi omissa ou negligente, e não pode ser penalizada pelo trote aplicado aos calouros do curso de medicina, seja a título de danos morais coletivos ou danos sociais às mulheres francanas.

"A Unifran compreende que as ações sugeridas pelo Ministério Público na reunião realizada no último dia 11 de fevereiro são importantes para coibir tais comportamentos. Porém, as ações sugeridas já são realizadas pelas Universidade há anos, conforme inúmeros documentos apresentados na audiência (...)", diz o comunicado.

A universidade reforça que proíbe expressamente os trotes – com exceção dos solidários – dentro ou fora do estabelecimento de ensino e pune qualquer estudante envolvido nessa prática. Além disso, a Unifran reafirma o compromisso em intensificar todas as ações já realizadas para coibir tais atos, além da criação de um canal exclusivo para o recebimento de denúncias.

"Somente nos três últimos anos, a instituição promoveu mais de 52 ações na conscientização da comunidade acadêmica e da população em geral sobre a prática de trotes violentos, bem como de promoção e de valorização, no contexto escolar, da cultura de reconhecimento da diversidade sexual e da igualdade de gênero e do enfrentamento ao sexismo e à homofobia", diz.

Em relação ao curso de medicina, além das orientações aos alunos, são realizadas reuniões com os pais dos calouros para orientá-los sobre o curso e esses temas. Desde fevereiro - e pelos próximos meses - já estavam programados ao menos 10 eventos contra o machismo, a misoginia e a cultura do estupro.

A universidade possui ainda o Núcleo de Pesquisa Interdisciplinar de Gênero (Nupigen), responsável por estudos e desenvolvimento de pesquisas sob o tema gênero, com diferentes disciplinas e ciências, e compõe o Conselho Municipal da Condição Feminina, "reforçando seu engajamento e ações promovidas na defesa dos direitos da mulher, na eliminação das discriminações que a atingem e a sua plena integração na vida socioeconômica e cultural". (EPTV)