Padres disseram que o grafiteiro realizou uma obra de arte

 

Fiéis da Igreja de Nossa Senhora Aparecida, de Borborema, mais conhecida como Santuário, tiveram uma surpresa na celebração da Novena em preparação a Festa da Padroeira, na quarta-feira, 3. No momento em que entravam na igreja, avistavam a imagem do Cristo Crucificado dentro de um pôr do sol, realçado por efeito tridimensional criado pelo jogo de luzes e tintas. Segundo paroquianos, muitos não conseguiram segurar a emoção e chegaram às lágrimas diante da beleza da nova pintura do altar-mor.

 

Nem todos, porém, perceberam que se tratava de pintura em grafite ou arte de rua, de grandes proporções, maior do que a maioria das figuras estampadas em muros e casas abandonadas da cidade. “Não há em Borborema nenhuma igreja com um Calvário tão glorioso no alto do céu. É um verdadeiro paraíso. Eu poderia ficar o dia inteiro contemplando esta pintura”, afirma a Ministra da Comunhão Eucarística, Sonia Aparecida Stocco Vieira, frequentadora diária das atividades realizadas na igreja.

O grafiteiro Luciano Marins Peixoto Junior, de 17 anos, levou cinco dias para fazer o trabalho. “Fiz este altar não só para a igreja, mas também para honrar Deus por Ele ter aberto para mim as portas da cada de sua Mãe. Só assim a sociedade vai passar a me ver não com o olhar marginal, mas com o olhar artístico. Antes disso, eu era só um grafiteiro e agora me consideram um artista”, afirmou Junior.

A iniciativa, inédita, de contratação de um grafiteiro para pintar o altar de uma das igrejas mais importantes de Borborema, partiu da idéia de um jovem da comunidade, que foi aceita pela Diretoria da Igreja. Mais difícil do que executar o trabalho foi derrubar preconceitos que existiam tanto da Diretoria quanto do grafiteiro. A Diretoria recebeu a indicação de um jovem talentoso capaz de fazer o trabalho sem hesitar. Inseguro, o próprio jovem que fez a indicação de Luciano caprichou nas instruções: “Disse a ele que queríamos um pôr do sol atrás da cruz, mas com a aparência de um temporal se aproximando, fazendo alusão ao momento da morte de Cristo no Calvário. Penso que ele conseguiu dar exatamente o sentido que a gente queria. Não sei se existe a expressão grafite artístico, mas penso que o Junior conseguiu fazer uma obra de arte”, elogia.

Junior custou a acreditar que estava recebendo o convite de uma igreja católica. “Nem eu nem nenhum grafiteiro espera algum dia no mundo receber um convite desses. O grafiteiro é um povo marginalizado. Ter a aceitação de uma igreja, que em princípio não estava aberta à arte contemporânea e popular, é uma vitória”, afirma.

O altar do Calvário, além da belíssima pintura é composto pelas imagens de Nossa Senhora das Dores, São João Evangelista e Jesus Crucificado, que também foi restaurada pela senhora Luciana Toledo. No domingo, 07/10, o Pároco Pedro de Celso Gardini e os Vigários Paroquiais Valmir Davi de Oliveira e Carlos Aparecido Mapeli, realizaram a benção deste altar e apresentaram publicamente o artista a comunidade. “É bem verdade que os maiores artistas do mundo tiveram seus trabalhos relacionados à Igreja”, recordou o jovem, sem modéstia. Luciano Marins Peixoto Junior faz o gênero free style, que no grafite significa livre, sem amarras.

O Dicionário Houaiss define grafite como rabisco ou desenho com marcas do autor feito com aerosol de tinta nas paredes, muros e monumentos de uma cidade. Na enciclopédia aberta Wikipédia, da internet, grafite (que vem do italiano grafito) é nome dado à caligrafada ou desenho pintado ou gravado sobre suporte não previsto para esta finalidade. Por muito tempo visto como assunto irrelevante ou mera contravenção, o grafite já é considerado forma de expressão das artes visuais, mais especificamente da street art ou arte urbana, em que o artista aproveita os espaços públicos, criando linguagem para interferir na cidade. Mas há quem não concorde, comparando grafite com a pichação.

Texto e fotos: José Commandini Neto. Jornalista Profissional