De onde vêm as armas, as munições e os explosivos que têm sido usados por quadrilhas em ataques a bancos no Brasil? Segundo especialistas em segurança pública ouvidos pelo G1, traficantes internacionais e nacionais são responsáveis por fornecer fuzis, cartuchos e dinamites a esses grupos criminosos conhecidos como "novo cangaço".

Entre os dias 5 a 16 de abril, foram pelo menos dez ataques em cidades diferentes de quatro estados: São Paulo (SP), Paraná (PR), Bahia (BA) e Minas Gerais (MG). Os alvos foram ao menos 13 agências bancárias e uma financeira. Os bandos preferem atacar, em sua maioria, instituições que guardam dinheiro em cidades pequenas, onde as forças de segurança não têm poderio bélico para enfrentar bandos fortemente armados.

Além de explodirem caixas eletrônicos ou cofres, os bandidos encapuzados chegam a usar reféns, em alguns casos, para impedir a aproximação da polícia. Depois libertam as vítimas e fogem com o dinheiro roubado. Há registro de confrontos e tiroteios em alguns dos ataques. Vídeos gravados por testemunhas e câmeras de segurança gravaram parte das ações criminosas que causaram pânico nos moradores desses municípios.

Essa modalidade criminosa, que assusta a população pela violência empregada, é chamada por policiais de "novo cangaço", numa alusão ao histórico bando de Lampião, que levava o medo a cidades do sertão nordestino em meados dos anos de 1930.

Segundo o Instituto Sou da Paz, três policiais, um consultor técnico e um professor da USP ouvidos pelo G1, o caminho do armamento usado por essas quadrilhas passa pelo:

Contrabando internacional de armas - as armas saem dos Estados Unidos e, geralmente, são exportadas legalmente até o Paraguai. Depois, são trazidas ilegalmente ao Brasil.
Desvios irregulares de munições das forças de segurança - as munições podem fazer o mesmo caminho das armas ilegais, mas também podem ser desviadas das forças de segurança e fornecidas por atiradores no Brasil que têm autorização para produzi-las.
Desvios de explosivos de pedreiras - os explosivos são desviados de empresas de construção no Brasil. Depois chegam até os bandidos.
Geralmente, segundo os especialistas, os suspeitos que contribuem com as quadrilhas que atacam bancos são: traficantes de armas, policiais corruptos e funcionários das empresas que passam ou vendem as cargas para os criminosos.

10 ataques em 7 dias

Na sexta-feira (16), criminosos armados explodiram uma agência bancária da cidade Ubaíra (BA), fizeram disparos de armas de fogo e mantiveram pessoas reféns, que depois foram libertadas. Após isso, eles fugiram. O município tem quase 20 mil habitantes.

Poucos dias antes, na madrugada de terça-feira (13), bandidos tinham atacado um banco em Salvador. Uma quadrilha explodiu um banco e fugiu. A capital baiana tem quase 2,9 milhões de habitantes.

Houve, ainda, um assalto na madrugada do dia 10 de abril, em outra cidade baiana: Sapeaçu. Criminosos também explodiram um banco e fugiram depois. O município tem mais de 17 mil pessoas.

Na madrugada do dia 8 de abril, foram 2 ataques do tipo:

Um deles foi num banco em Jacuí, no sul de Minas Gerais. Ao menos sete assaltantes explodiram a agência. Policiais militares trocaram tiros com os criminosos na fuga. A cidade tem pouco mais de 7 mil habitantes.

O outro ocorreu em Itiruçu, no sudoeste da Bahia. A quadrilha chegou em carros e usou explosivos para destruir um banco. Durante a fuga, os criminosos atiraram várias vezes, segundo testemunhas, atingindo bases policiais. O município tem quase 13 mil habitantes.

Na madrugada de 7 de abril, também foram 2:

Bandidos mascarados e armados com fuzis e bombas atacaram três agências bancárias em Mococa, interior de São Paulo. Eles atiraram nas ruas e um dos disparos atingiu uma unidade de saúde. Os estilhaços feriram um segurança sem gravidade. O município paulista tem aproximadamente 69 mil moradores .
Criminosos explodiram a agência de uma cooperativa de crédito em Campo Bonito, no Paraná. A cidade possui cerca de 4.500 pessoas.

Na madrugada anterior, 6 de abril, os alvos dos assaltantes foram:

Três bancos em Cambará, outra cidade do Paraná. A quadrilha provocou explosões, fez disparos e reféns para atacar o banco. O município tem pouco mais de 25 mil habitantes.
E uma agência bancária em Abaré, na Bahia. Criminosos fizeram reféns durante o ataque ao banco. Depois que fugiram, eles atearam fogo em veículos A cidade está com algo em torno de 20 mil moradores.
E, em 5 de abril, o ataque foi em Campo Alegre de Lourdes, no norte da Bahia. Durante a noite, um grupo armado atacou e explodiu a agência bancária da cidade. Na fuga, a quadrilha fez moradores reféns, que depois foram libertados. O município tem pouco mais de 28 mil habitantes.

'Novo cangaço'

Os ataques do "novo cangaço" se baseiam em ações com grupos criminosos que costumam atacar cidades pequenas. Dos dez municípios atacados recentemente no país, apenas um é uma cidade grande (Salvador). Os demais têm população inferior a 100 mil habitantes.

As ações são violentas. Os bandidos usam armas de grosso calibre (em sua maioria fuzis, submetralhadoras e pistolas), coletes balísticos e grande quantidade de munições e explosivos.

Até a última atualização desta reportagem, não havia confirmação se todos os bancos atacados foram roubados nem informações sobre a quantidade de dinheiro levada pelos grupos. Em alguns ataques, criminosos trocaram tiros com policiais. Apesar disso, não há registros de mortes nem de prisões de suspeitos.

As polícias civis e as militares e a Polícia Federal (PF) atuam nos casos de ataques em busca de pistas que possam levar às quadrilhas e ao dinheiro roubado das agências.

De onde vêm as armas

"Com relação às armas e munições, os fuzis, a gente vê que tem duas origens. Fuzis contrabandeados que entraram no Brasil pelo tráfico internacional. O principal fornecedor passa pelos Estados Unidos, depois podem ser exportados legalmente para o Paraguai e de lá para o tráfico e para o Brasil”, diz o advogado Bruno Langeani, gerente de projetos do Sou da Paz. "Ou de aeroportos da Flórida direto para aeroportos no Brasil."
Segundo Natália Pollachi, também gerente de projetos do instituto, são traficadas armas inteiras ou desmontadas. "Entre os fuzis e submetralhadoras estrangeiras, predominam marcas provenientes dos Estados Unidos, Europa e Argentina, havendo também uma presença crescente de armas chinesas e turcas".

"Em princípio, [armas e munições] não vêm por portos, vêm do Paraguai. Não são armamentos comercializados por aqui", afirmou um coronel da PM de São Paulo que pediu para não ser identificado.

De acordo com o delegado Anselmo Cruz, que investiga a quadrilha que roubou um banco em dezembro do ano passado em Criciúma, Santa Catarina, os criminosos estão usando armas de uso exclusivo das Forças Armadas, como o Exército. Vídeos que circulam nas redes sociais mostram o ataque na cidade catarinense (veja abaixo).

"Efetuam muito mais disparos. São limitadas para as forças de segurança. São armas de guerra efetivamente, não armas para um cenário de segurança pública, para um cenário de prática de crime", disse Anselmo. No caso do roubo ao banco de Criciúma, a polícia prendeu 13 suspeitos de integrarem a quadrilha que atacou a agência e procura outros três.
O delegado se refere, por exemplo, a armas de calibre.50, usado em fuzis e metralhadoras. Provavelmente no ataque a Criciúma pode ter sido empregado um fuzil .50, que é algo não muito comum entre os criminosos que atacam bancos, segundo explicou José Vicente da Silva, consultor, ex-secretário nacional de segurança pública e ex-coronel da PM paulista.

"Nós temos dois tipos [de armas] .50. Um é um fuzil que pesa 8 kg, outro é uma metralhadora, precisa até de suporte, que pesa uns 40 kg. E essa metralhadora para fazer um assalto a banco é muito complicado porque é um equipamento grande, de difícil manipulação. A .50 é uma alternativa para ataque a carro-forte porque essa metralhadora tem função de inutilizar equipamentos, pode ser um blindado ou um avião. Ela custa caro, mas pode alugar por R$ 50 mil ou comprar por R$ 200 mil", disse José Vicente.

De acordo com o delegado Eduardo Brotero do Grupo Armado de Repressão a Roubos (Garra) da Polícia Civil de São Paulo, os fuzis mais utilizados por quadrilhas de roubo a banco são os de calibres 223, 556 e 762.

"Esses são fuzis leves, de mão. Já os fuzis .50 tem projéteis que vazam carros com blindagem muito forte. Então eles usam para parar carros-forte", disse Eduardo.

De onde vêm explosivos e munições
Sobre os explosivos desviados que abastecem as quadrilhas, eles vêm "das empresas da construção civil e pedreiras", segundo Bruno Langeani, do Sou da Paz.

O gerente do instituto também sugere que os decretos do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sobre as regras para porte e posse de armas e produção caseira de munições no país podem contribuir para que armamentos e balas cheguem mais facilmente aos criminosos.

“Mais recentemente, com todas as liberações que Bolsonaro fez, tem também a possibilidade de mais fonte de desvio que antes não eram possíveis. Antes de Bolsonaro, atiradores esportivos não podiam ter fuzil, agora podem. Então é uma categoria a mais com acesso a essas armas e munições que podem fornecer [aos bandidos]”, alegou Bruno, que também critica o fato, segundo ele, de não haver um órgão específico que consiga rastrear a origem de armamentos.

Procurada pela reportagem sobre os impactos da flexibilização da legislação sobre armas, a assessoria de imprensa do governo federal informou por meio de nota que "o Planalto não irá se manifestar."

Policiais corruptos

Segundo Gabriel de Santis Feltran, professor do Departamento de Sociologia e Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), facções criminosas, como o Primeiro Comando da Capital (PCC), e até policiais corruptos podem estar envolvidos na aquisição de armas que são usadas por quadrilhas que atacam bancos.

"Há muitas e muitas formas de se conseguir armas, compradas legalmente por governos e desviadas, ou produzidas no Brasil e roubadas, entre outras formas. A maior apreensão de fuzis do Brasil foi feita em redes de policiais corrompidos, inclusive envolvidos em um homicídio famoso. A segunda maior apreensão de fuzis da nossa história foi numa importação ilegal diretamente dos EUA", disse Gabriel.

Segundo o professor, seria preciso que as autoridades tratassem o mercado de armas seriamente. "Porque essas armas não são produzidas ilegalmente. Elas são usadas ilegalmente."
De acordo com Gabriel, as autoridades precisam investir mais em inteligência do que na compra de armas para o confronto com os criminosos.

"No mundo todo o trabalho de investigação preventivo, ou após essas ações, gera resultados muito melhores do que qualquer estratégia de confronto. A questão é que no Brasil acredita-se que há super-heróis que devem trazer a paz para uma terra degenerada. E essa concepção infantil, machista e tacanha de segurança pública tem mesmo degenerado nossa terra", disse o professor.

O que dizem os bancos


Procurada para comentar o assunto, a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) informou, por meio de nota, que "acompanha com atenção a situação dos ataques a agências e caixas eletrônicos." O órgão apresentou dados de 2020 e 2019 para informar que o número de ataques a bancos caiu, mas, entretanto, não mostrou números deste ano de 2021 para tratar do caso.

"A Federação e seus bancos associados trabalham em estreita parceria com as forças policiais e os órgãos de segurança para prevenir e combater esse tipo de crime. Além disso, são investidos cerca de R$ 9 milhões todos os anos em segurança para as agências. Três vezes mais do que era gasto dez anos atrás", informa trecho do comunicado.

"Esses esforços têm surtido efeito. O total de ataques e tentativas de ataques a agências registrados em 2020 foi 52,26% menor do que os realizados em 2019 [caiu de 119 para 58] . Os ataques a caixas eletrônicos tiveram redução de 23,45% na mesma comparação [reduziu de 567 para 434]", informa outro trecho da nota.

reportagem G1