Ocupação estava em área de reserva ambiental do assentamento Monte Alegre e por isso foi desapropriada
À deriva. Sentado no banco da Praça do Distrito de Bueno de Andrada. É assim que encontramos, nesta terça-feira (19), Luciano Chagas Sobrinho, sem-terra, de 42 anos, que ocupava uma casa e um pedaço de terra no acampamento "Novo Horizonte" - constituído em uma área de reserva ambiental do Assentamento Monte Alegre e que, por isso, precisou ser destruído.
Megaoperação de reintegração de posse no acampamento "Novo Horizonte", dentro do assentamento Monte Alegre (Fotos: Amanda Rocha)
O assentamento fica na divisa dos municípios de Araraquara e Matão, ao lado de Bueno de Andrada, onde os sem-terra fizeram mobilizações durante toda a manhã tentando impedir a Justiça de cumprir a ordem de despejo. As ações foram em vão.
Sem ter para onde ir, Luciano - que era o líder da ocupação - diz que pretende ficar na praça até conseguir um lugar para levar a família composta por esposa e dois filhos.
Com lágrimas nos olhos e abatido pelo cansaço após dois dias sem dormir, correndo em prefeituras e fóruns, tentando revogar a ordem de despejo a qualquer custo, Luciano está sem esperança. "Sinceramente, não acredito em mais nada. Não acredito em um governo capaz de fazer isso. Não acredito na Justiça. Gastaram dinheiro para despejar estas famílias, mas dinheiro para colocar os produtores em outro pedaço de terra não tem. Somos produtores rurais. Não pedimos nada além de terra. Nosso sustento vem da terra, agora, não somos mais nada. Somos o pó das nossas casas no chão", diz ele.
Trajetória
Luciano era caminhoneiro e morava de aluguel em uma casa no bairro Quitandinha, em Araraquara. Sempre gostou da ideia de viver da terra, até que surgiu a oportunidade de ir para o acampamento que estava se formando. Foi e levou a família. Plantou, criou animais, construiu uma casa, sempre sabendo que a terra não era dele e que um dia a desapropriação poderia acontecer. "Nossa esperança era que alguém olhasse por nós. Olhasse por quem trabalha na terra. Agora, não espero mais nada de ninguém".
Quando foi para o acampamento, Luciano abriu mão do emprego, da casa, da vida na cidade. Hoje, três anos depois, está na rua.
O acampamento começou em setembro de 2015, com 30 famílias; atualmente tinha 270, o equivalente a quase mil pessoas.
Olho da rua
Algumas famílias acampadas mantinham uma casa na cidade, seja em Araraquara ou Matão. Mas não é possível precisar este número. A maioria saiu do acampamento sem saber para onde ir. Uma das opções era a casa de familiares. Um senhor de 71 anos, que estava no acampamento há dois anos, disse que ia ficar na beira da vicinal, com uma mala na mão. "Não sei o que fazer. Vou de carona até a estrada e tentar chegar em Matão", disse ele.
Ester Franco, de 65 anos, estava no primeiro barraco do acampamento quando os policiais chegaram com os oficiais de justiça para dar início à desapropriação. "Vamos enfrentar de cabeça erguida", disse.
A Prefeitura de Araraquara mandou apoio de profissionais das áreas de saúde e assistente social para acompanhar o destino das famílias. Mas ainda não há um balanço de quantas pessoas foram ajudadas.
Entenda
O assentamento Monte Alegre foi formado no final da década de 90, com 277 famílias dividas em sete núcleos. A área que foi desapropriada pelo Estado é administrada pela Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp). Há aproximadamente três anos, dois acampamentos começaram a se formar ocupando áreas que até então estavam paradas, tomadas por um pasto degradado, mas que seriam parte da reserva ambiental do local.
O primeiro acampamento formado foi o "Encontro das Águas" e o segundo "Novo Horizonte", que é o que está com a ordem de despejo. Ambos abrigavam famílias que migraram da cidade para o campo.
Itesp
O Itesp diz que a área é destinada a reserva ambiental do assentamento Monte Alegre e por isso, não pode ser ocupada. Segundo o Código Florestal, 20% das áreas dos assentamentos são destinadas à instituição das Reservas Legais Agora, com a desapropriação um processo de recuperação do local será iniciado.
A Fundação informa ainda, que atualmente o Estado não tem terra para abrigar estas famílias, que estão sendo despejadas. (reportagem CidadeOn)