Tatuagem ajuda clientes a recuperaram autoestima diante de marcas no corpo no interior de SP — Foto: Cintia Cavalcanti/Arquivo Pessoal
Ressignificar cicatrizes físicas por meio de cores e símbolos na pele está entre as vocações de dois tatuadores de Bauru, no interior de SP. Marcelo Paro e Cintia Cavalcanti são profissionais que transformam a arte da tatuagem em eternos sinais de superação.
No "Dia do Tatuador", celebrado nesta quinta-feira (20), o g1 conta como os tatuadores se tornaram parte fundamental na construção da autoestima de muitos clientes.
Ao camuflar cicatrizes cirúrgicas, feridas e queimaduras com desenhos que variam em uma infinidade de traços, os tatuadores registram uma "marca personalizada" naqueles que buscam vencer as adversidades da vida.
Embora tenham trilhado caminhos em épocas diferentes, ambos atribuem o mesmo significado à tatuagem: "uma poderosa forma de expressão emocional".
Tatuadores usam da arte para ressignificar marcas e cicatrizes que trazem memórias difíceis aos clientes — Foto: Cintia Cavalcanti/Arquivo Pessoal
Entrada na profissão
Nas garagens e praças de Salto (SP), Marcelo Paro, de 50 anos, começou a tatuar ainda criança, em 1984, quando se reunia com os amigos da vila onde morava para desenhar símbolos na pele usando apenas agulhas e tinta nanquim.
Motivado pela paixão e inspirado por tatuadores nacionais renomados, como Maurício Teodoro e Boris Lister - um dos mais antigos do país -, a história profissional de Paro começou 10 anos depois, em Bauru, no centro-oeste paulista.
Marcelo ressalta que ser tatuador requer dedicação total à sua arte. “Nas décadas de 80 e 90, a tatuagem era quase sacerdócio, pois tínhamos que acreditar na nossa arte e nosso desenvolvimento profissional, mesmo contando com poucos recursos”, relembra.
Tatuador Marcelo Paro, de Bauru, no interior de SP — Foto: Arquivo pessoal
Com a mesma convicção, Cintia Cavalcanti, de 53 anos, também acredita que a tatuagem é um trabalho que demanda muita responsabilidade, estudo e técnica.
Formada em design, Cintia decidiu dar um novo passo na carreira em 2018, ao estudar técnicas de tatuagem. Mas, antes de ser conhecida como tatuadora, ela precisou atender a um pedido pouco usual de uma cliente.
Cintia Cavalcanti começou a ressignificar marcas e cicatrizes já há pouco mais de três anos — Foto: Cintia Cavalcanti /Arquivo Pessoal
“Uma mulher me procurou para cobrir uma cicatriz de abdominoplastia que a deixava muito triste e envergonhada. Na época, ela me conhecia apenas como designer. Deu tão certo a tatuagem, que a mãe dela, que havia passado pela mesma cirurgia, também pediu para que [eu] tatuasse flores no lugar da cicatriz”.
'Marcas da vida'
Tatuadora de Bauru diz que a tatuagem assumiu um significado de amenizar marcas que trazem desconforto — Foto: Cintia Cavalcanti/Arquivo Pessoal
Após a primeira experiência, Cintia passou a tatuar nas cicatrizes de suas clientes. A técnica mais utilizada pela ilustradora é a da arte botânica - representação de flores, frutos e folhas de árvores.
Entusiasta da técnica de colorimetria, Cintia conta que também estudou a composição das cores para valorizar a singularidade e a beleza de cada mulher, atribuindo significado ao desenho na pele.
“Busco sempre manter equilíbrio em minha minha arte. Faço com que as cores se fundam no tom da pele da minha cliente, deixando o desenho com traços mais suaves. Isso valoriza e enriquece a beleza através da tatuagem”, conta.
A tatuadora relata que já foi procurada por mulheres vítimas de câncer de mama, câncer de intestino, prótese de quadril ou que sofreram queimaduras.
Ressignificar memórias que trazem dor e sofrimento por meio da arte: essa é a premissa principal de Cintia Cavalcanti — Foto: Cintia Cavalcanti /Arquivo Pessoal
Para proporcionar empoderamento às clientes, a tatuadora costuma realizar sessão de fotos como forma enaltecer a renovação da vida.
“Mulheres que antes lutavam contra o reflexo do espelho, agora podem sorrir diante do que veem”, comenta.
A tatuadora explica que uma cicatriz para ser coberta com a arte, precisa existir há, pelo menos, um ano ou um ano e meio, a depender de cada pele. Na dúvida, Cintia direciona as clientes a um dermatologista.
"Peço uma declaração assinada pelo médico dermatologista antes de tocar na pele. Algumas clientes, na consulta, eu já sei que não posso tocar na pele. Por exemplo, em vasinhos não há necessidade de cobrir com uma tatuagem", diz.
Diferente de Cintia, que trabalha com tons mais suaves, Marcelo costuma tatuar figuras mais marcantes, como heróis e deuses, nas cores branco e preto. Para ele, a tatuagem é capaz de aumentar a autoestima, através da ilustração do poder pessoal.
Porém, mesmo que a tatuagem possa, fisicamente, cobrir marcas de momentos difíceis, Marcelo ressalta que não é o suficiente para superar os traumas do passado.
Marcelo Pero, de Bauru (SP), acredita no poder transformador da arte da tatuagem — Foto: Instagram/Reprodução
“A maneira como você cobriu a cicatriz não significa que vá te fazer vencer o trauma. Primeiro, é preciso resolver os problemas internos, a causa original, para assim a tatuagem ter seu efeito”.
Para que as tatuagens façam mais sentido, ambos tatuadores acreditam na importância de superar os limites internos, por meio do autoconhecimento.
Como criador do projeto “Tatuagem consciente”, Marcelo também considera a arte da tatuagem como aliada das causas humanas. “A tatuagem consciente mostra a importância da intenção e como os símbolos estão em sincronia com momentos da vida que surgem de uma conexão emocional”.
Segundo o tatuador, é a maneira de acolher e trazer a pessoa para o lugar de amor próprio. “O cliente precisa se conhecer antes de tomar a decisão do que tatuar”, finaliza.
Tatuador de Bauru (SP) desenvolve desenhos realistas — Foto: Marcelo Paro/Arquivo Pessoal
Para Cíntia, a importância do trabalho está diretamente ligada à lembrança daquilo que deve "falar mais alto". Em relação às mulheres, a tatuadora recomenda que a autoestima grite mais do que memórias de dor e sofrimento.
"É uma verdadeira parceria, eu sei o que elas estão sentindo. A primeira sessão elas vêm retraídas, já na segunda sessão eu percebo que elas já chegam mais confiantes. Nas últimas sessões, eu encerro com um ensaio fotográfico, que resulta em uma redescoberta. É um resgate do próprio eu", reconhece.
Cicatrizes são cobertas com tatuagem por profissionais em Bauru (SP) — Foto: Cintia Cavalcanti/Arquivo Pessoal
fonte:G1