A inocência é a melhor amiga da perversidade. Pena que o contrário não seja verdadeiro. Você está lá, publicando fotos do seu filhote num blog, ou mesmo no seu perfil da rede social. Ele é tão lindo que é difícil escolher o melhor ângulo. E faz tantas caras e bocas e você tem tantas histórias para compartilhar, pois está absolutamente apaixonada pelo serzinho e quer dividir essa felicidade com o mundo inteiro, que vai abastecendo sem medida a internet: vocês na praia, ele na festa junina da escola, andando de bicicleta no parque perto da sua casa. A vida é linda, dentro e fora da web.
Um belo dia, por curiosidade, você digita o nome do pequeno para ver o que aparece. E descobre que as suas fotos, aquelas mesmas que você achou tão inocentes, estão sendo usadas indevidamente por outra pessoa. Eu já contei no post “Dia da Internet Segura: como proteger as crianças?” o que aconteceu comigo uma vez, quando vídeos da Bia pequenina caíram numa rede de pedófilos. Esse é o pior dos mundos e recomendo a leitura para alertar e, quem sabe, evitar que ocorra o mesmo com você.
Mas nem sempre o caso é de pedofilia, tem louco pra tudo. Essa semana saiu uma notícia sobre uma mulher que usou um perfil numa rede social para tentar se passar por mãe de uma bebezinha de outro estado. Ela simplesmente seguia o blog que o pai da bebê criou, começou a se apropriar de todas as fotos da criança e colocar no perfil dela como se fosse sua própria filha. E fez isso durante meses! A pergunta que não quer calar: com que propósito? Eu já pensaria que a mulher estava se preparando para roubar a minha filha. Vá saber qual a real intenção?
Fato é que estamos vivendo um momento overdose de hiperexposição. Fotos, vídeos, comentários, não damos um passo sem divulgar para a rede, muitas vezes passos em falso. Como se dizia no tempo da minha avó: “Quer aparecer? Pendura uma melancia no pescoço”. A internet faz mais ou menos isso com a gente. E pior, estamos pendurando melancias nos pescoços dos nossos filhos.
Fico tentando entender o tamanho do vazio que temos dentro de nós para querermos preencher com tanto exibicionismo. Precisamos mesmo nos expor tanto? Necessitamos tanto assim da aprovação alheia? Não estou falando só dos outros, falo de mim também. Já vivi meus momentos de, ao chegar meu prato num restaurante, clicar e publicar no Instagram e compartilhar no Facebook. Quem se interessa em saber o que estou comendo ou deixando de comer? A quem quero impressionar?
Até o dia em que pensei: “Pra quê tudo isso? Olha o tempo de vida que perco editando fotos, montando álbuns, clicando-qualquer-coisa, postando, curtindo fotos alheias, afe. Chega, né?”. Parei. Me deu uma canseira desmedida de mim mesma. Não aguentava mais me ver sob todos os ângulos. Não aguentava mais perder momentos ao vivo em detrimento de um visor de câmera.
Estava começando a ficar louca, a achar que só os momentos clicados tinham sido vividos por mim. Pois que, revendo a foto, eu revivia o instante, mas do instante mesmo lembrava pouco, preocupada que estava tirando a foto. Quantos sorrisos da Bia eu vi através da máquina? Quantas oportunidades de sair correndo atrás dela para dar um abraço maroto, fazer cócegas, encher seu pescoço de beijos eu perdi porque estava fazendo foco? Meu foco estava errado, resolvi focar na vida. E o primeiro impacto imediato foi voltar a ler. Voltei a ter tempo!
Hoje tenho perfil em redes sociais mais para me comunicar por mensagens com a família, amigos e para uso profissional. De vez em quando compartilho textos e vídeos que acho interessantes, mais para poder ler e assistir com calma em casa. Monto o meu jornal particular com as notícias que me interessam. E, sinceramente, tenho evitado ao máximo publicar fotos da Ana Bia e resistido bravamente aos apelos da baixinha para ter um “face”. Antes dos 12 anos, acho que ela não tem maturidade para administrar um. Vamos ver se consigo segurá-la até lá.
Tem uma máxima que diz: “Não quer que um segredo se espalhe? Não conte”. Tenho diário desde os 12 anos de idade, escritos à mão, e no computador a partir de 1998. Nunca, jamais, sequer uma linha postei na internet. Os pensamentos são meus, só meus. A Bia já é de uma geração que pensa digitando e guarda segredos compartilhando. Ambas precisaremos nos ajustar a esse novo tempo. Ela crescendo nele, eu crescendo com ela. (Ana Kessler -MSN)