De todas as vacinas disponíveis atualmente para evitar a infecção pelo coronavírus, nenhuma foi recomendada e aprovada por órgãos internacionais para ser aplicada em crianças e adolescentes, pois ainda não há estudos suficientes sobre seu uso neste grupo. A única vacina que, hoje, pode ser aplicada em adolescentes a partir dos 16 anos é a da Pfizer/BioNTech.
Os estudos em menores de idade foram deixados, inicialmente, em segundo plano pelas farmacêuticas e universidades porque, primeiro, foi avaliada a segurança das vacinas nos adultos. Além disso, os mais jovens são o grupo que tem o menor risco de morrer por conta de complicações da Covid-19.
À medida que a cobertura vacinal for sendo ampliada, entretanto, a vacinação das crianças e adolescentes ganhará mais importância, avalia a pediatra Débora Miranda, professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Isso porque, com a imunização de outras faixas etárias, elas passarão a ser o grupo mais exposto ao vírus.
"Na medida que você vai cobrindo com vacinas a população idosa e, paulatinamente, a população mais jovem, aí, proporcionalmente, a população infantil vai ficar mais importante. Porque você vai diminuir os casos dos adultos e dos idosos e a gente vai tendo uma população exposta que é a população infantil", explica Miranda.
Além disso, diz a pesquisadora, vacinar os mais novos será importante para garantir uma cobertura populacional maior.
Ao menos 4 laboratórios já começaram a testar suas vacinas em crianças e adolescentes mais jovens. Caso os estudos provem segurança e eficácia, isso pode garantir a ampliação da proteção também para este grupo.
Veja, abaixo, quais vacinas estão sendo testadas em crianças hoje:
Oxford/AstraZeneca
Sinovac Biotech
Pfizer/BioNTech
Moderna
A Johnson e o Instituto Gamaleya, responsável pela vacina Sputnik V, já anunciaram, sem dar uma data, que pretendem começar seus testes clínicos em menores de idade nos próximos meses.
Oxford/AstraZeneca
No começo de fevereiro, a Universidade de Oxford anunciou o início dos estudos de fase 2 da vacina ChAdOx1 nCoV-19 em crianças e adolescentes – esta é uma das duas distribuídas atualmente no Brasil. Esse foi o primeiro estudo de um imunizante contra a Covid-19 para esta população.
Nesta etapa de testes, os pesquisadores avaliam a segurança e as respostas imunológicas em pessoas de 6 a 17 anos.
O ensaio é randomizado, com a escolha aleatória de quais voluntários recebem a vacina da Covid-19 e quais recebem uma vacina contra a meningite, que tem efeitos colaterais similares, como dor no braço.
São 300 participantes. Destes, 240 receberam a vacina contra a Covid-19.
Sinovac Biotech
A farmacêutica chinesa Sinovac Biotech, que desenvolve a CoronaVac em parceria com o Instituto Butantan (SP) afirmou que a vacina se mostrou segura e produziu anticorpos em crianças. Os resultados são de estudos preliminares e não foram publicados em nenhuma revista científica.
Segundo um comunicado da farmacêutica:
Os dados preliminares são de testes clínicos feitos em mais de 500 crianças e adolescentes com 3 a 17 anos.
Todos receberam receberam duas aplicações, ou com uma combinação de dosagens maiores ou menores da vacina, ou com um placebo – substância inativa.
A maioria das reações adversas foi branda, e duas crianças que receberam a dose menor tiveram febre alta.
Os níveis de anticorpos desencadeados pela vacina CoronaVac em crianças foram maiores do que aqueles vistos em adultos de 18 a 59 anos e em pessoas idosas.
Pfizer/BioNTech
A vacina da Pfizer/BioNTech é a única autorizada por agências reguladoras dos Estados Unidos e Europa para menores de idade: pode ser aplicada a partir dos 16 anos. Esse é o grupo mais jovem que pode ser vacinado atualmente.
As empresas começaram a testar, este mês, sua vacina contra Covid-19 em crianças menores de 12 anos. A expectativa é de que este grupo possa ser vacinado em 2022.
É a única vacina aprovada pelos EUA e Europa para ser aplicada em adolescentes de 16 anos ou mais.
São 144 participantes e os mais jovens são crianças de seis meses.
São avaliadas três combinações de dosagem diferentes: com 10, 20 e 30 microgramas.
Em um segundo momento, o estudo deve ser ampliado a 4,5 mil voluntários para avaliar a segurança e a qualidade da produção de anticorpos nos mais jovens.
Moderna
A farmacêutica americana Moderna começou em março os testes clínicos de sua vacina contra a Covid-19 em crianças. Os ensaios acontecem nos EUA e Canadá com mais de 6,7 mil crianças com idades entre os seis meses e 12 anos.
A segurança e a capacidade de gerar anticorpos é um dos principais objetivos deste estudo.
Cada participante receberá 2 doses, dadas com 28 dias de diferença.
Participantes de 2 a 11 anos poderão receber uma combinação de dosagens de 50 ou 100 microgramas da vacina.
Crianças de 6 meses de idade até 2 anos incompletos receberão 25, 50, ou 100 microgramas – e não haverá grupo controle com placebo, todas as crianças serão vacinadas de alguma forma.
Apenas na Fase 2 é que os pesquisadores usarão a combinação de dosagens mais eficaz da Fase 1 em dois grupos: os vacinados e o grupo controle.
Previsões de vacinação
Das 6 vacinas negociadas pelo governo brasileiro para o programa de imunização contra a Covid-19, ao menos 3 delas já realizam testes também em crianças e adolescentes – e outras duas disseram que começarão em breve.
Questionado pelo G1, o Ministério da Saúde disse em um comunicado que acompanha e financia estudos para analisar a efetividade e segurança das vacinas contra a Covid-19 para menores de 18 anos, mas que é preciso aguardar antes de se avaliar a aplicação nesta população.
"Somente após a conclusão dos estudos em andamento e a avaliação dos resultados, o Programa Nacional de Imunizações (PNI) poderá avaliar e definir, junto à Câmara Técnica e demais envolvidos, a inclusão deste grupo no Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19", diz a nota.
Em nota, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) disse que "os laboratórios envolvidos na pesquisa e desenvolvimento de vacinas contra a Covid-19 não manifestaram até o momento a intenção de testar suas vacinas com crianças e adolescentes".
A agência afirmou que "autoriza os estudos clínicos de medicamentos e vacinas com foco na geração de dados confiáveis sobre a segurança e eficácia do produto para o público-alvo de cada estudo".
"Os laboratórios e seus centros de pesquisa participantes podem fazer previamente um cadastro de possíveis voluntários para o estudo, mas a aplicação da vacina só pode acontecer depois que a Anvisa aprovar o protocolo de pesquisa. Mesmo após o pedido formal do laboratório e a autorização da Anvisa e da instância ética (CONEP), o prazo para início do estudo é definido pelo laboratório", diz a nota.
A pediatra Isabella Ballalai, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), explica que os testes nas crianças provavelmente serão mais curtos que os feitos em adultos – porque, uma vez que a eficácia da vacina já está demonstrada, o principal é medir a capacidade da criança em gerar anticorpos ao receber a vacina.
"O cuidado de fazer o estudo nelas é que a gente precisa saber, inclusive, se para elas o esquema de doses é diferente, se são mais ou menos doses. Com uma dose eles não responderam o suficiente? Precisa da segunda. Com a segunda não respondeu, será que precisa de uma terceira? Ou não, com uma dose já respondeu igual a um adulto com duas doses? É isso", diz Ballalai.
Apenas a vacina desenvolvida pela indiana Bharat Biotech, que produz a Covaxin, ainda não se pronunciou sobre estudos em crianças. A vacina já está em uso na Índia, mas os testes de fase 3 ainda estão em andamento. Nenhum resultado com a eficácia geral da vacina foi divulgado.
Fora do país, a vacinação das crianças e adolescentes nos Estados Unidos, por exemplo, deve começar entre o fim deste ano e o primeiro trimestre de 2022, disse o diretor médico da Casa Branca, Anthony Fauci, em entrevista à rede de televisão americana CNBC há cerca de duas semanas.
A previsão é de que os adolescentes sejam vacinados ainda neste ano, no segundo semestre, depois do verão americano. Já os que têm 12 anos ou menos devem receber a vacina só no ano que vem.
É urgente vacinar as crianças?
Para Débora Miranda, pediatra da UFMG, a prioridade continua sendo vacinar os grupos de risco, como idosos e pessoas com comorbidades.
"Na verdade, a prioridade continua sendo a população que, desde o início, tem um risco maior. E, mesmo nas crianças, [a prioridade são] as crianças com comorbidade. Elas são as nossas prioridades. Criança que tem comorbidade tem uma chance maior de ter quadros graves", lembra.
Isabella Ballalai, da SBIm, vê de forma semelhante. "A urgência maior é vacinar todos os adultos – são eles que mais adoecem, são eles que mais hospitalizam e mais morrem. É claro que é importante vacinar as crianças – mas eu entendo que a urgência, hoje, é vacinar os adultos. Porque, além disso tudo, eles também são a principal fonte de doença para criança", lembra a pediatra.
"Nós não estamos num momento em que está tão crítico para a população infantil que precise justificar uma urgência, uma emergência, pular as etapas [de testes das vacinas]. Não é esse momento", avalia Miranda.
Os riscos para crianças e adolescentes de serem os últimos a receberem vacina
A professora lembra que nem no Brasil, nem no mundo há vacinas suficientes para todos os idosos, por exemplo. "Então, talvez, distribuir para todos os idosos do mundo inteiro seja mais prioritário do que dar para as crianças, se você for pensar na gravidade delas".
Ela reforça, ainda, que os testes em crianças são necessários antes que as vacinas sejam aplicadas.
"Criança não é um pequeno adulto – é um ser que está em desenvolvimento, tem imunidade diferente, expressão de proteínas diferente, tem que testar. Não tem jeito de inferir [que as vacinas de adultos vão funcionar]", afirma.
"Foi dessa diferença biológica que a gente viu que [a doença] tinha um comportamento diferente [nas crianças]. A gente tem que lembrar disso também para a vacinação. Já que elas são diferentes, é só testando, e em várias faixas etárias, que a gente consegue inferir como vai ser nelas esse processo. Por isso que pular essa etapa é temerário. É melhor testar do que assumir um risco desconhecido", diz.
G1