o G1 - O sonho brasileiro de voar é comumente associado a Alberto Santos Dumont, considerado por muitos o inventor do avião. Nesta segunda-feira (23), data que celebra o Dia do Aviador, o g1 apresenta um outro personagem que, na década de 1960, também mudou os rumos da indústria aeronáutica no país.
Nascido em Bauru, no interior de SP, Ozires Silva é o responsável pelo projeto do avião Bandeirante. Inclusive, um monumento com uma aeronave do modelo, doado pela Força Aérea Brasileira, foi construído na cidade em 2016 em homenagem a Ozires. (Veja mais no vídeo no fim desta reportagem).
Em 22 de outubro de 1968, ocorreu pela primeira vez o voo do protótipo dessa aeronave que inaugurou a aviação regional no Brasil e deu origem à Embraer, empresa brasileira que, atualmente, é a terceira maior fabricante de jatos comerciais do mundo e líder no segmento de aeronaves com até 150 passageiros.
Formado em engenharia aeronáutica, Ozires possui uma trajetória que vai de co-fundador da Embraer, ex-piloto da Força Aérea Brasileira (FAB), coronel da aeronáutica a ex-ministro de Estado. Hoje, aos 92 anos, ele relembra com orgulho a participação no desenvolvimento da indústria aeronáutica brasileira e dos voos alçados por ela.
“Eu sempre me questionava na época. Se tivemos um Santos Dumont e também temos um país tão grande, por que o Brasil não fabrica aviões?”, diz Ozires em sua biografia.
Início de um sonho
Ozires foi um garoto apaixonado por aviação desde jovem. E sua paixão era diariamente compartilhada com o inseparável amigo Benedito César, ou simplesmente, Zico.
"Nossa vontade de voar, de fabricar aviões, tudo se confundia. Líamos o que caía em nossas mãos, desde que abordasse aeronáutica", relembra Ozires.
Em Bauru, os dois jovens compartilhavam o sonho de se tornarem engenheiros aeronáuticos, porém na época não havia especialização no Brasil relacionada à área. Somente no final da década de 40, a dupla foi apresentada à Força Aérea Brasileira (FAB). Em 1948, ingressaram na carreira militar e, em 1951, se tornaram oficiais aviadores.
"Foi um período muito árduo, com a maior parte do tempo tomada pelo treinamento militar, com muitos exercícios de marcha que, confessamos – para quem somente pensava em aviação–, não era exatamente o que queríamos", relata Ozires.
Duro baque
A maior das quedas na vida de Ozires ocorreu em 1955. Naquele ano, o grande amigo Zico morreu em um acidente aéreo.
Num voo de instrução, em um TF-7, a versão biplace do Gloster Meteor, o canopy4 da cabine dos pilotos, que se articulava lateralmente, destravou por razões desconhecidas e abriu em voo, na reta final para o pouso.
"Lembrava-me de que o Zico sempre reclamava da elevada carga alar do jato. Com asas reduzidas, a velocidade na aproximação para a aterrissagem era alta – perto de 140 nós. Comentava ele que se algo de anormal ocorresse nessa fase do voo, seria impossível controlar o avião. Parece que foi isso o que aconteceu", conta Ozirres.
"O enterro foi um sacrifício insuportável. Não me acostumava com a ideia de perdê-lo. Naqueles instantes via insistentemente desmoronarem os sonhos de menino; ideias que acalentávamos tão intensamente estavam agora impossíveis, distantes. Não tinha nenhuma convicção de que poderia tentar algo sem ele", relata Ozires.
Novos rumos
Com a criação do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), em 1950, o sonho de ser tornar engenheiro aeronáutico voltou a alçar voo no coração de Ozires.
Oito anos depois, o bauruense entrou no Instituto, em São José dos Campos (SP), o que lhe serviu de motivação para seguir na área depois da perda do grande amigo Zico. “Foi um processo vigoroso de transformação. Naquele momento, eu me transformei em oficial da FAB e construtor de aviões”.
Após o término da faculdade, em 1962, Ozires foi convidado a participar do Cetro Técnico Aeroespacial (CTA). Ele liderava o Departamento de Aeronaves e lá passou a propagar a ideia de que o país necessitava de aviões pequenos, que pudessem facilitar o tráfego aéreo entre as pequenas cidades, uma vez que a aviação comercial detinha apenas aeronaves grandes, com alto custo.
E foi neste momento que Ozires iniciou o desenvolvimento do projeto IPD-6504 - futuro Bandeirante - ao lado de grandes nomes como o Tenente-Brigadeiro do Ar Paulo Victor da Silva e os engenheiros Max Holste, Ozílio Silva e Guido Pessotti.
E o voo desse projeto veio justamente de um encontro que só ocorreu por problemas em um outro voo. No dia 20 de abril de 1969, o presidente da República, Costa e Silva, estava indo para Guaratinguetá, onde teria uma solenidade, mas o voo dele acabou alternado para São José dos Campos por causa de um nevoeiro.
"Era o dia 20 de abril de 1969, quando o operador da torre disse que o presidente pousaria no aeroporto em 15 minutos. Todos os políticos haviam sido chamados para recebê-lo, mas ninguém estava disponível. Nessa época eu era major e me perguntaram se eu podia receber o presidente", relembra Ozires.
Durante o período com o presidente, Ozires conta que externou a ideia da importância do Brasil fabricar os seus próprios aviões e desenvolver uma frota nacional. "Eu tive o presidente Costa e Silva comigo por uma hora. Fiz a maior lavagem cerebral na cabeça dele pra mudar a política do governo", contou Ozires em uma entrevista ao veículo Airway.
Um mês e meio depois, no Planalto, o presidente Costa e Silva reuniu os ministros do Comércio, Infraestrutura, Planejamento e da Fazenda, e pediu a Ozires uma apresentação sobre as estratégias e os planos para o desenvolvimento dessa indústria.
Como resultado dessa reunião, a lei para criar a companhia foi decretada em 19 de agosto de 1969, e Ozires foi designado o primeiro presidente da companhia, nomeada Embraer.
Desenvolvimento e mercado internacional
A criação da Embraer teve como objetivo desenvolver uma estrutura industrial para a produção em escala do Bandeirante, bem como aperfeiçoar o projeto inicial.
Sob a liderança de Ozires, o desenvolvimento da aeronave contou com a colaboração de 170 empresas nacionais e um elevado grau de qualidade para que os componentes alcançassem a precisão solicitada.
Devido às dimensões do Brasil, o Bandeirante foi concebido para prestar serviços e conectar os mais diversos pontos do território nacional, como Amazônia, nordeste ou centro-oeste do país.
Rapidamente, a aeronave também conquistou o mercado internacional. Em 1975, ocorreu a primeira exportação da versão militar para o Uruguai, com a venda de cinco aviões EMB 110 Bandeirante à Força Aérea Uruguaia e o avião agrícola EMB 200 Ipanema ao ministério da agricultura do Uruguai.
Dois anos depois, a companhia aérea francesa Air Littoral se tornou o primeiro cliente internacional da versão civil. Nos anos seguintes, o Bandeirante também se tornaria referência no mercado regional norte-americano, um marco na história da organização.
Já na FAB, principal cliente da Embraer à época, o Bandeirante desempenhou diversas missões, como transporte de pessoas, de carga e de paraquedistas, sendo também utilizado para instrução e ensaio em voo.
Legado
Após a consolidação no mercado, Ozires deixou a liderança da organização para assumir a presidência da Petrobras. O engenheiro também foi ministro de infraestrutura no início da década de 1990. Ozires voltou em 1991 à Embraer, comandando o processo de privatização da organização que teria fim em 1994.
Desde que foi fundada, a Embraer entregou mais de 8.000 aeronaves. Segundo a companhia, mais de 90% de sua produção é exportada, sendo Estados Unidos e Europa os principais destinos.
"A indústria aeronáutica brasileira não teria alcançado a dimensão que se encontra hoje se não existisse o engenheiro Ozires. O Brasil contou com diversas iniciativas de produzir aviões, mas nenhuma se perpetuou. Ozires teve a grande visão de pensar grande. Seu projeto era fazer um avião brasileiro para o mundo. E aproveitou o momento certo para desenvolver o avião Bandeirante. Era o que o mundo precisava na década de 70", opina Manoel de Oliveira, oficial superior veterano da FAB, ex-vice presidente executivo de finanças da Embraer e amigo pessoal de Ozires.