A história de Nick Drake esbarra em um fenômeno recorrente nas artes: o reconhecimento póstumo. Com apenas três álbuns lançados, ele deixou uma profunda marca na música.
Morto precocemente aos 26 anos, vítima de overdose de antidepressivos, o cantor e compositor britânico se foi sem ainda ter reconhecido e sem imaginar que fitas com suas canções viriam a leilão, no ano em que se completam 40 anos de sua morte, com valor inicial de quase US$ 500 mil.
A revelação de que existe uma bobina com seis gravações inéditas de Drake foi feita por sua amiga, a cantora folk islandesa Beverley Martyn, a quem o compositor teria entregue o material antes de morrer. A notícia de que Beverley o colocaria à venda movimentou o mercado de leilões.
Isso em um ano em que a música descobriu gemas arqueológicas. Meses atrás, o manuscrito original da letra da seminal canção "Like A Rolling Stone", escrita por Bob Dylan 1965, foi vendido por mais de US$ 2 milhões (mais de R$ 4 milhões).
Já a fita original de Drake, com seis canções gravadas em 1968, um ano antes do lançamento de seu álbum de estreia, "Five Leaves Left", movimentou o leilão de Ted Owen & Company, em Londres, com valor inicial de US$ 428 mil (R$ 954 mil). Não sem criar polêmica. De acordo com o jornal "The Guardian", representantes da família de Drake e de sua gravadora impediram que a fita fosse à venda por questionarem os direitos de Beverley Martyn sobre o material. Por enquanto, o leilão está suspenso.
Espécie de mentora de Drake nos anos de 1960, Martyn contou que ela e seu marido, John, eram grandes amigos de Drake quando todos moravam no norte de Londres. "Fiquei surpresa em saber que o trabalho de Nick é tão procurado por colecionadores em todo o mundo e que esta fita é uma prova de sua importância como um pioneiro musical por seus curtos mas produtivos anos", disse ela à casa de leilão sobre as músicas "Mayfair", "Time Has Told Me", "Man In a Shed", "Fruit Tree", "Saturday Sun" e "Cello Song", que estão na fita.
A companhia descreve que Nick Drake aparece nos registros com orgulho e entusiasmo de seu trabalho, "em um áudio com clareza em alta fidelidade", e destaca o "violão mais forte, mais barroco, com a voz suave e mais ressonante do que as versões lançadas com produção". Mas, afinal, quem foi Nick Drake e por que essas gravações são tão valiosas?
Quem foi Nick Drake
Natural da Myanmar, Nick Drake estudou literatura na Universidade de Cambridge, ao mesmo tempo em que desenvolveu sua paixão pela música ao lado de sua mãe musicista. Virou, aos poucos, um obsessivo na prática com o violão. Tocava até a madrugada, experimentava afinações dissonantes e compunha freneticamente. "Eu acho que ele escreveu suas canções mais bonitas nas primeiras horas da manhã", disse a mãe dele, Molly Drake, em uma entrevista ao jornalista T.J. McGrath.
As letras de Drake traziam referências a elementos da natureza. A lua [que deu nome ao seu terceiro disco, "Pink Moon"], o mar, as estrelas, as árvores e as estações do ano casavam bem com as melodias delicadas, que se tornaram pequenas joias no universo da música folk. Mas suas letras mostravam uma visão distante da vida, o que talvez já revelasse um problema que viria causar sua morte.
Sem o interesse da mídia, seu trabalho não se popularizou. E ele mesmo, no começo dos anos de 1970, começou a se desinteressar pela máquina do sucesso. Na última (das raras) entrevista que deu, não olhou nos olhos do jornalista e desandou a falar palavras desconexas. Era apenas reflexo de seu comportamento no palco. Drake já sequer levantava a cabeça para a plateia. Decidiu largar a música e tentar arranjar um emprego, ao mesmo tempo em que voltou a morar na casa dos pais e a frequentar um psiquiatra. Sofria com psicose desde o ano de lançamento do disco de estreia.
Apenas nos anos de 1980, quando o músico passou a ser citado como inspiração por bandas como R.E.M. e The Cure, o interesse por sua obra realmente vingou. No Brasil, Renato Russo era um de seus admiradores. Sua influência passou a ser notada no trabalho de artistas como Elliot Smith --que também morreu precocemente--, Belle and Sebastian e Beck. Por isso os escassos documentos e gravações inéditas hoje têm um valor tão alto.
Dona do material, Martyn cita problemas de saúde como a sua razão para finalmente se despedir dos registros, após tantos anos. "Eu não quero essas fitas para perder ou parar em mãos erradas, se alguma coisa acontecer comigo", disse ela. "Alguém deve ser capaz de apreciá-las".