Marcos Valadão Ridolfi, o Nasi, faz 62 anos hoje, 23 de janeiro, como sobrevivente do inferno das drogas, das quais se livrou através de tratamento e de processo de espiritualização que reforçou os laços do artista com a religião de matriz afro-brasileira.
Nascido em 1962, o cantor e compositor paulistano – fundador em 1981 do grupo Ira! ao lado do guitarrista Edgard Scandurra – celebra o 62º aniversário com a edição do quinto álbum solo, RockSoulBlues. O disco flagra Nasi imerso no universo desses três gêneros musicais norte-americanos que moldaram a personalidade do artista.
Se o rock inconformista de veia punk e espirito mod moveu o Ira! ao longo de carreira que atingiu o auge nos anos 1980 e que ganhou fôlego com o álbum de inéditas lançado em 2020, o blues está na raiz da existência do grupo Nasi & Os Irmãos do Blues, criado na década de 1990.
O álbum RockSoulBlues sintetiza trajetória que também abarca passagem pelo seminal grupo de pós-punk Voluntários da Pátria (1982 – 1986).
Não por acaso, o álbum abre com regravação de Dias de luta (Edgard Scandurra, 1986) – um dos maiores sucessos do Ira! – na cadência do blues, como se Nasi estivesse lembrando que, no universo particular do artista, os três gêneros alinhados no título do disco se fundem na alma musical do cantor. Na faixa, o guitarrista Igor Prado evoca o toque referencial do colega norte-americano Albert King (1923 – 1992).
Na sequência, Nasi traz para o universo do country-western O caveira (1973), samba obscuro da lavra de Martinho da Vila em que o bamba fluminense exercita humor sombrio. Nasi encara O caveira com a cantora Nanda Moura em gravação menos imponente no conjunto do disco.
Em rota inversa, Nasi parte do country-blues ao desfolhar com virulência punk Rosa selvagem, versão (escrita pelo próprio Nasi) de Ramblin' rose (Marijohn Wilkin, Fred Burch e Obey Wilson, 1967). A gravação feita pela banda norte-americana de rock MC5 em 1969 – dois anos após o registro fonográfico original do cantor Jerry Lee Lewis (1935 – 2022) – serve de matriz para a abordagem vigorosa de Nasi.
Outra boa sacada do repertório é a recriação de Devolve meus LPs (Zé Rodrix e Roberto Livi, 1977), rock do quarto álbum solo de Zé Rodrix (1947 – 2009), Quando será? (1977). Há evocação do universo da Jovem Guarda tanto na gravação original quanto no registro de Nasi, feito na pulsação acelerada do jump blues, espécie de embrião do rock'n'roll da década de 1950.
Já Não vá me machucar – versão do standard do blues Rollin’ and tumblin’ (1929) – trafega na ponte que liga os bluemen dos anos 1920 e 1930 aos rappers surgidos a partir da década de 1980. Na faixa, de timbragem eletrônica, o elo é feito com a reunião de Nasi com o produtor Apollo 9 e com DJ Hum, responsável pelos scratches – e aqui cabe lembrar que Nasi foi um dos primeiros roqueiros ao perceber a força emergente do hip hop na década de 1980, tendo produzido com André Jung (colega no Ira!) o álbum Hip hop – Cultura de rua, lançado em 1988 com gravações de nomes como DJ Hum (então em dupla com Thaíde).
É como se a vida musical de Nasi estivesse resumida nas oito faixas de RockSoulBlues, álbum que inclui tributo a um pioneiro do soul e do funk brasileiro, Tim Maia (1942 – 1998), de quem Nasi rebobina música pouco conhecida, O que você quer apostar? (1972), fazendo um blues-soul desse tema do terceiro álbum de Tim.
Também do baú do anos 1970, Nasi pesca a pérola Não te quero santa (Sérgio Fayne, Saulo Nunes e Vitor Martins, 1971), lapidada por Erasmo Carlos (1941 – 2022) no álbum Carlos, Erasmo (1971) e revivida por Nasi em gravação feita com banda formada por Sergio Melo (bateria), Sergio Morel (guitarra) e Sergio Villarim (teclados).
No arremate do álbum, Nasi apresenta inédita música autoral, Blues do gato preto, valorizada pelo toque afiado da big-band arregimentada para a gravação.
Enfim, Nasi chega aos 62 anos com álbum que retrata o espírito do artista.
Texto de Mauro Ferreira (G1)