“Qual é seu dia, Nossa Senhora? É dia 2 de fevereiro, quando, na beira da praia, eu vou me abençoar”, já entoou a cantora baiana Maria Bethânia, ao interpretar a canção “Iemanjá Rainha do Mar“, em homenagem à divindade africana.

A data mencionada pela artista marca um grande acontecimento nas águas e areias das praias brasileiras: o dia de louvar e cantar para Iemanjá, também conhecida como “Rainha do Mar” pelos adeptos das religiões de matrizes afro-brasileiras, sempre trajados de vestes brancas.

A homenagem contém uma mistura vibrante de rituais, cânticos e oferendas, reunindo praticantes da umbanda e do candomblé e simpatizantes desde as primeiras horas do dia para lançar oferendas marítimas e expressar seus pedidos e agradecimentos à divindade do panteão iorubá.

2 de fevereiro e o sincretismo religioso
A data para homenagear Iemanjá não é unânime no país e muda conforme a região de celebração. As diferenças têm relação com o chamado “sincretismo religioso“, prática que consiste na combinação de elementos de tradições religiosas diversas que resultam em uma síntese de crenças, rituais e valores.

Ao longo dos séculos, diversas culturas se viram diante da necessidade, muitas vezes por sobrevivência, de conciliar suas crenças com as práticas religiosas dos povos com os quais entravam em contato. Esse processo levou à fusão de diversas divindades e mitologias.

Alexandre Meireles, babalorixá, xamã e dirigente há 28 anos do terreiro de umbanda Círculo de Irradiações Espirituais São Lázaro, na zona sul de São Paulo, aponta à CNN que o sincretismo se desenvolveu no Brasil a partir de uma triste página de nossa história: a escravidão.

Durante o longo período da escravatura, os praticantes encontraram maneiras de manter suas tradições de forma camuflada, fundindo-as com a liturgia católica. Essa estratégia permitiu que preservassem suas crenças enquanto aparentavam conformidade com as práticas religiosas impostas.

“Por conta das proibições e torturas imputadas à população negra e escravizada, incluindo a não permissão da realização de seus cultos, crenças e a imposição da crença no Deus cristão, no Deus católico e no catolicismo, os negros tinham de fazer suas venerações e orações às escondidas”, descreve Meireles.

“Para que não houvesse castigos ou reprimendas, os escravizados estabeleceram essa aproximação das características de santos católicos aos dos orixás, inquices ou voduns – nomenclaturas dadas às divindades. Então, cultuavam os orixás através das imagens dos santos, o que não significa que orixás e santos sejam a mesma coisa”, acrescenta o babalorixá.

Por isso, a grande maioria das datas de celebração aos orixás está diretamente ligada às datas dos santos, o que cria uma ponte simbólica entre as tradições africanas e católicas.

No dia 2 de fevereiro, por exemplo, segundo o calendário católico, é celebrado o dia de Nossa Senhora dos Navegantes, que passou a ser associado ao culto a Iemanjá, principalmente no Nordeste brasileiro.

Já no Sudeste, o sincretismo é com Nossa Senhora da Imaculada Conceição, cuja homenagem ocorre em 8 de dezembro, dia em que diversas praias de São Paulo são tomadas por umbandistas e candomblecistas para homenagear a divindade africana.

Embranquecimento
Devido à proximidade com as santas católicas, a representação visual de Iemanjá tem sido frequentemente embranquecida de diferentes formas, na arte, na publicidade e até mesmo em representações religiosas.

Cada vez mais, encontra-se a divindade, que é associada aos rios e mares, representada como uma mulher magra, branca, de cabelos lisos, em um vestido azul.

No entanto, em países africanos, e nos terreiros brasileiros onde o sincretismo não é regra, Iemanjá continua a ser representada como uma figura de formas largas e negra.

Roupa branca na virada do ano
Atualmente, é comum que pessoas de diversas tradições religiosas passem a virada do ano na beira da praia e com roupas brancas. Mas o costume teve início na primeira metade do século passado, quando umbandistas, saudando Iemanjá, faziam seus rituais nas praias, todos vestidos de branco, oferecendo flores, champanhe e reforçando seus pedidos de um bom ano novo.

“A tradição foi crescendo, e as pessoas começaram a ir de branco para a praia, mesmo se não tivessem a crença no orixá ou fossem da religião. E isso virou o ano novo brasileiro”, observa Meireles.

Odoyá: rituais, oferendas e agradecimentos
De acordo com a tradição iorubá, a grafia original da divindade é Yemanjá, com “y”, mas acabou de tornando mais comum no Brasil escrever o nome com “i”, assim como ocorreu com o próprio termo yorubá – “Ye omo ejá” significa “mãe cujos filhos são peixes”.

Abaixo, conheça três simples rituais listados pelo babalorixá Alexandre Meireles que costumam ser realizados em 2 de fevereiro, no Dia de Iemanjá:

Ritual com vasilha

Junte sete rosas brancas, com os cabos cortados, e coloque-as em uma vasilha, dentro de casa, com água e perfume, de preferência alfazema. Ofereça as rosas para Iemanjá e as deixe flutuando de maneira bem bonita dentro do recipiente. Esse recipiente, inclusive, pode ser usado como enfeite para o lar. Pedidos: peça harmonia para a família, limpeza energética para o ambiente, paz e entendimento entre todos os familiares.

Ida ao mar

Se existir a possibilidade de ir até ao mar no dia 2 de fevereiro, coloque os pés dentro da água e realize as suas orações. Faça o planejamento do ano, do que é importante que aconteça no decorrer dos meses. Atente-se, sempre, à utilização de objetos não poluentes ao meio ambiente.
“Rosas rosas brancas, ou até mesmo a champanhe branca, que, ao abrir, pode ser despejada na água do mar, sendo oferecida à Iemanjá e a todos os seres do mar, que é um campo de renovação. Não esqueça de recolher a rolha da garrafa”, orienta Meireles.

Vela, água e lua cheia

Em um recipiente, acrescente água pura, acenda uma vela pra Iemanjá e peça à divindade, que é um orixá que cuida das cabeças, principalmente dos aspectos psicoespirituais, para que forneça firmeza, que não permita que as portas se abram para a depressão e ansiedade. Além disso, que traga o equilíbrio mental, harmonia familiar, abundância, entendimento e amorosidade.
Ao acender a vela, passe-a por cima desse recipiente com água, pedindo que Iemanjá deposite ali os seus desejos. Deixe o objeto durante a noite inteira no sereno.
Se chover, não há importância. Inclusive, se possível, deixe a vasilha receber a energia da Lua, principalmente nas fases cheia ou crescente, que são os dois melhores momentos para este ritual.

“No dia seguinte, pode envolver um pouco de perfume, já que Iemanjá também é o orixá do olfato e, portanto, os perfumes sempre estão presentes em suas ritualísticas. Em seguida, despeje a água em um objeto que possa ser utilizado para aspergir nos cantos da casa, sobre a sua cabeça, até mesmo no travesseiro, antes de dormir. Esse ritual servirá como uma maneira não só de limpeza, mas também de atração de bons fluidos”, afirma o babalorixá.

CNN