Apesar de o País colher neste ano uma safra recorde de 185 milhões de toneladas de grãos, os preços dos alimentos foram o principal foco de pressão inflacionária nos últimos 12 meses. Daqui para frente, o comportamento dos preços do tomate, da batata, do arroz e do feijão será o fiel da balança na decisão do Banco Central (BC) de aumentar os juros básicos para que a inflação não supere o teto da meta de 6,5% prevista para este ano.

Em 12 meses até março, os preços dos alimentos ao consumidor descolaram da inflação em geral e subiram mais de 30%. Enquanto o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA)-15 subiu 6,43% até março, os preços das frutas, verduras e legumes acumularam altas de 33,36% e os dos cereais, que incluem arroz e feijão, de 34,09%, revela um estudo feito pelos economistas da Universidade de São Paulo (USP), Heron do Carmo e Jackson Rosalino. Eles usaram os dados do IPCA-15, uma prévia do IPCA, o índice de referência para o sistema de metas de inflação.

No caso dos alimentos semielaborados e industrializados, a alta também foi na casa de dois dígitos no mesmo período, de 16,50% e de 11,44%, respectivamente. Já os preços dos serviços privados, que variam ao sabor do mercado, exceto aqueles regidos por contatos, subiram 8,82% em 12 meses até março.

"Poderemos ter uma melhoria da inflação dos alimentos por causa da supersafra, mas existe um pedaço importante da inflação, que reúne cereais de consumo doméstico, legumes, frutas, que está ao sabor do clima", diz Heron. Só o tomate mais que dobrou de preço nos últimos 12 meses, com alta de 105,87%. A trajetória dos preços de outros alimentos foi semelhante. A batata, por exemplo, ficou 86,51% mais cara em 12 meses até março, a farinha de mandioca subiu 140,57% e a cebola, 58,83%.

Heron explica que o que provoca o estrago no índice de inflação é o tamanho da variação dos preços desses produtos, não o peso que eles têm isoladamente no indicador. De toda forma, o grupo alimentação e bebidas respondeu no mês passado por 24,3% do IPCA. Desse total, a alimentação no domicílio, onde são computados os gastos com os ingredientes para o preparo das refeições, representou 16% e a alimentação fora do lar respondeu pela diferença (8,26%).

Heron observa que não é a primeira vez que os preços dos alimentos se descolam do índice geral de inflação. Movimento semelhante ocorreu em março de 2008. De lá para cá, nada foi feito. "Falta política agrícola e de abastecimento de longo prazo para esses produtos. Há um descuido com essa parte dos alimentos de consumo doméstico", diz o economista. "Todo mundo quer pensar macro, mas se esquece do pão, pão, queijo, queijo. O BC pode até aumentar os juros, mas se vier uma geada no meio do ano, estraga tudo."

Graças à pesquisa agropecuária feita pelo próprio governo, a soja pode ser hoje produzida em lugares até pouco tempo inadequados."Por que não fizeram isso com o feijão e o tomate?", pergunta Heron. Ele não vê evolução na área de estocagem desses produtos que são mais perecíveis em relação a outros grãos. Também falta, na sua opinião, uma política de estímulo a essas culturas. É que quando o preço do milho e da soja disparam, o produtor reduz a área plantada com arroz e feijão e migra para as lavouras de exportação.

Dobradinha. A soja e o milho, basicamente lavouras de exportação e com efeitos indiretos no abastecimento doméstico das carnes, porque são usados como ração animal, respondem neste ano por 70% da safra. A produção recorde está sendo sustentada pela soja, cuja safra cresceu 23,6% neste ano, segundo a Companhia Nacional do Abastecimento (Conab). No caso do milho e o do arroz, a alta na produção foi de 4,36% e 3,9%. Já no feijão da primeira safra, que está em fase de colheita, há queda de quase 6% na produção em relação à safra anterior.

Para o sócio da RC Consultores, Fabio Silveira, a supersafra já está ajudando a segurar a inflação. Ele observa que os preços no atacado, tanto dos alimentos cotados no mercado internacional, como soja, milho, café, açúcar, como aqueles voltados para o consumo doméstico, como arroz e feijão, estão desacelerando no atacado. Além disso, a recente desoneração dos oito grupos de produtos da cesta básica deve contribuir para atenuar preços. "Projeto para este ano um IPCA de 5,5% e alimentação vai ficar em torno de 6%. Os alimentos vão devolver muito preço daqui para frente, pois a inflação dos alimentos está em 12%."

"Olhando para frente, esperamos uma volta importante nos preços dos alimentos", diz Elson Teles, economista do Itaú Unibanco. Ele espera para este ano alta de 6% para alimentação no domicílio, o subgrupo mais importante do IPCA. Em 12 meses até fevereiro, o indicador está em 13,9%. "O resultado deste ano será alto, mas haverá uma melhora em relação à situação atual. Os preços dos alimentos subiram muito e é difícil imaginar que o preço da batata e do tomate vão continuar subindo."

Fonte:Estadão