agrotox

A diretoria colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou, por unanimidade, a continuação da comercialização do segundo agrotóxico mais vendido no Brasil. Os técnicos da agência concluíram que o herbicida 2,4-D não causa contaminação à água ou alimentos e, por isso, não gera risco à população em geral.

Os pareceres que sustentaram a decisão, no entanto, apontam que o herbicida gera risco de contaminação aos trabalhadores rurais que o aplicam. Entre os anos de 2007 a 2015, o Sistema de Informação de Agravos de Notificação do Ministério da Saúde (Sinan) registrou 619 intoxicações casos de intoxicação aguda de pessoas expostas a agrotóxicos que contém 2,4 D. Mais da metade das intoxicações (51,5 %) registradas no ministério da Saúde são referentes ao uso intencional da substância, ou seja, casos de pessoas que ingeriram o agrotóxico para tentar tirar a própria vida.

Analisando o perfil das outras pessoas intoxicadas, chegou-se à conclusão de que as vítimas do 2,4 D são, em geral, trabalhadores do campo que tiveram contato com o veneno durante a aplicação do produto nas lavouras e, por isso, foram encaminhadas a unidades de saúde com sintomas agudos provocados pelo produto. Os trabalhadores intoxicados atuam principalmente na pulverização de culturas como arroz e pastagens, sendo a maior parte deles formada por homens que não completaram o ensino fundamental.

— São pessoas que muitas vezes têm dificuldade até para ler os rótulos dos produtos. Por isso sugerimos que as empresas implementem programas de educação e qualificação para os trabalhadores agrícolas — afirma Adriana Pottier, gerente de monitoramento e avaliação de risco da Anvisa.

Dentre as medidas definidas para mitigar os riscos, a Anvisa estabeleceu um limite máximo de exposição, para o trabalhador, de 0,01 mg da substância ao dia. O mesmo indivíduo não pode realizar diferentes atividades, como manipulação e aplicação do veneno, o que levaria a um acúmulo de exposição. Também foi estabelecido um tempo mínimo de reentrada, que vai de 2 a 23 dias, a depender do tipo da plantação. A reentrada é o tempo mínimo que o trabalhador precisa esperar para ter contato com a lavoura após a aplicação do agrotóxico.

A Anvisa admite que os estudos sobre a substância ainda precisam ser aperfeiçoados. A Agência admite que não teve informação dos efeitos do veneno nas centenas de trabalhadores que sofreram intoxicação aguda nos últimos anos. Os únicos estudos utilizados pela agência, com relação aos danos à saúde, são testes em ratos. Esses testes constataram que a substância afeta principalmente os rins desses animais. Os estudos da Anvisa também não se aprofundam no grau de intoxicação provocado ao trabalhador nos diferentes métodos de aplicação do veneno.

A aplicação com trator, por exemplo, é muito menos maléfica ao trabalhador do que a aplicação costal, que é aquela que o trabalhador carrega nas costas uma bomba com a substância e sai pulverizando na lavoura. Em geral, produtores rurais mais pobres não têm condição financeira para comprar tratores de pulverização e, muitas vezes, não tem sequer acesso equipamentos de proteção obrigatória, como máscaras e botas.

O 2,4 D é um herbicida aplicado em pelo menos 13 culturas agrícolas. Um total de 71 marcas de agrotóxicos que contêm essa substância são comercializados no Brasil, produzidas por 24 empresas diferentes, segundo a agência. Em 2017, cerca de 60 mil toneladas de produtos com 2,4 D foram usadas no país. Ele só perde no mercado nacional para o glifosato.

Organizações como a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos, que reúne mais de 30 entidades e conselhos, já se manifestaram contra a liberação do 2,4 D no Brasil, por considerar que o princípio ativo provocaria alteração genética capaz de desencadear câncer e alterações do sistema hormonal, além de má-formação fetal e toxicidade neurológica. O Ministério Público Federal cobrou da Anvisa estudos conclusivos sobre o risco do produto à saúde humana, o que levou ao processo de reavaliação toxicológica do agrotóxico. (OGlobo)