Mais de 6 mil km separam o Brasil da Namíbia, através do Oceano Atlântico. Contudo, a descoberta de petróleo na costa do país africano é vista com animação por aqui. Como a América do Sul e a África estiveram unidas há 115 milhões de anos, os continentes compartilham semelhanças geológicas que indicam a possibilidade da presença do combustível na Região Sul, mais precisamente na Bacia de Pelotas, entre o Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
Contexto: nos últimos anos, a Namíbia fez uma série de descobertas de petróleo. As estimativas são de que a costa do país tenha jazidas superiores a 10 bilhões de barris. As descobertas mais recentes aconteceram nos últimos oito anos, fazendo com que o interesse pela Bacia de Pelotas reacendesse devido à semelhança geológica entre ambas as regiões no passado.
Ainda não há a confirmação de que, de fato, exista petróleo na região. Mas as perspectivas coincidem com a busca de um "sucessor do pré-sal".
Na Bacia d Pelotas, especialistas preveem uma extração de petróleo semelhante à da Namíbia. Mas isso só deve acontecer caso todos os testes exploratórios, licenças ambientais e outros processos forem feitos com sucesso. Esse procedimento pode levar até o início da década de 2030. (Veja esses detalhes mais abaixo)
O diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), Rodolfo Saboia, explica que o Brasil espera aumentar sua produção de petróleo até 2030, quando os níveis dos campos do pré-sal tenderão a cair. Nesse cenário, a Bacia de Pelotas se tornaria importante para a segurança energética do país.
"Grande parte da produção vem das bacias de pré-sal, e lá essa produção tende a cair, a declinar a partir de 2030. Então, a partir daí, o Brasil tem que fazer a seguinte escolha: ou ele busca as chamadas novas fronteiras, ou se torna importador de petróleo novamente. E entre essas novas fronteiras que nós vislumbramos, hoje existem duas grandes possibilidades: a famosa Margem Equatorial e a Bacia de Pelotas", diz Saboia.
1. O que a Namíbia tem a ver com isso?
Há cerca de 225 milhões de anos, todos os continentes que conhecemos hoje faziam parte de uma única massa terrestre: o supercontinente Pangeia
Há aproximadamente 180 milhões de anos, começou o processo de fragmentação da Pangeia, que deu origem a outros supercontinentes: Gondwana e Laurásia
Ou seja, a África e a costa da América do Sul compartilhavam a mesma geologia
Conforme o tempo passa, o supercontinente continua a se separar por causa do movimento das placas tectônicas
Por conta da descoberta recente no país africano e a similaridade geológica, o interesse pela Bacia de Pelotas voltou a crescer
Desta forma, especialistas acreditam que a Bacia de Pelotas tenha potencial de aumentar muito as reservas de petróleo num futuro próximo
O professor do Departamento de Paleontologia e Estratigrafia do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Juliano Kuchle explica que a região da Namíbia tem "depósitos arenosos marinhos profundos" - formações sedimentares encontradas no fundo dos oceanos, compostas principalmente por areia.
Até cerca de uma década atrás, não havia indicativos da presença de petróleo na costa da Namíbia. Contudo, nos últimos anos, "foram descobertos reservatórios de petróleo de grande porte em camadas de rocha que datam entre 125 e 110 milhões de anos atrás", relata Kuchle.
Na mesma época em que essas camadas de rocha se formaram, o Sul do Brasil e o Uruguai estavam "colados" na Namíbia.
"Os continentes se separaram entre 115 e 120 milhões de anos atrás. O Gondwana – que era América do Sul, África, Austrália e Índia – estava todo junto. A separação abre um oceano, o Atlântico", conta Kuchle.
Ou seja, o mesmo nível de camadas de rocha que existe na Namíbia também existe por aqui.
"São ótimos reservatórios, muito semelhantes aos descobertos na Namíbia", comenta o professor.
As reservas da Namíbia resultaram nos campos de petróleo Graff, Rona, Jonker, Venus e Saturn Superfan, cujo volume pode ultrapassar 10 bilhões de barris, segundo estimativas. A partir dessas descobertas, reacendeu o interesse sobre a Bacia de Pelotas.
"O que aconteceu? Uma bacia que sempre foi esquecida, com baixo grau de interesse, virou a sensação do Brasil", diz o professor da UFRGS.
2. Afinal, tem petróleo em Pelotas?
Ainda não se sabe. A eventual quantidade de petróleo na Bacia de Pelotas depende de estudos ainda em andamento. A região tem 44 blocos que são atualmente explorados pela Petrobras, a britânica Shell, a chinesa CNOOC e a americana Chevron.
"O que vai dar a palavra final é justamente o resultado dessa fase exploratória, de perfurações, de campanhas de perfuração que vão revelar o potencial confirmado de petróleo existente lá", afirma o diretor da ANP, Rodolfo Saboia.
Com base no que se observa na Namíbia, a expectativa é de que a Bacia de Pelotas também tenha grandes volumes de petróleo.
"Podem ser campos grandes. Podemos ter óleo de boa qualidade, dadas as indicações que vêm da Namíbia", analisa Kuchle.
3. Onde fica a Bacia de Pelotas?
Uma bacia de petróleo é uma região geológica onde grandes quantidades de petróleo e gás natural se acumulam. Essas bacias são formadas ao longo de milhões de anos através de processos geológicos complexos, incluindo a deposição de sedimentos orgânicos.
Por muitos anos, a Bacia de Campos, entre o Rio de Janeiro e o Espírito Santo, foi a principal fonte de produção de petróleo do Brasil. Com o pré-sal, a Bacia de Santos, entre o Rio de Janeiro e Santa Catarina, obteve destaque.
A Bacia de Pelotas fica entre o extremo sul do Rio Grande do Sul, nos municípios de Chuí e Santa Vitória do Palmar, e o litoral sul de Santa Catarina. Ou seja, ela se estende por toda a costa gaúcha e o sul do litoral catarinense. Ao norte, ela se limita com a Bacia de Santos. Ao sul, faz "fronteira" com a Bacia de Punta del Este, no Uruguai.
Ao longo da história, foram feitas 19 perfurações de poços na Bacia de Pelotas. No entanto, nunca se encontrou petróleo na região.
"O último [poço] a ter sido perfurado foi em 2001. Os geólogos de petróleo buscavam um modelo que fosse semelhante ao que se encontrava em Campos, em Santos, em Espírito Santo. E aqui não tem a mesma coisa. Por isso, furava e não achava", comenta Juliano Kuchle.
Novas pesquisas começaram a ser feitas em 2008, acentuadas nos últimos anos após a descoberta na África.
Os blocos da bacia ficam de 100 a 300 km da costa. A profundidade pode chegar a seis ou sete mil metros – de mar e rocha –, afirma Kuchle.